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ATA DA SESSÃO SOLENE DE 15 DE MAIO DE 1999 EM HOMENAGEM A ANTÔNIO HOUAISS

 

Aos quinze dias do mês de maio do ano de mil novecentos e noventa e nove, no auditório RAV 112, no Instituto de Letras da UERJ, sito na Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã, foi realizada a sessão solene em homenagem à memória de ANTÔNIO HOUAISS. Aberta a sessão pelo Sr. Presidente, Prof. Leodegário A. de Azevedo Filho, foram aprovadas as atas das sessões de 10.4.99 e 30.4.1999. O Prof. Manoel P. Ribeiro pediu a palavra e informou que o Prof. José Pereira da Silva comunicava a desistência de sua candidatura à vaga do Prof. Sílvio Elia, em favor da Profª Hilma Ranauro. O Prof. Leodegário considerou como nobre a atitude do Prof. Pereira, pois até o Prof. Sílvio Elia desejava ver a Profª Hilma Ranauro como acadêmica. O Prof. Bechara também elogiou a atitude do Prof. Pereira, pois a Academia é uma casa de ciência e de consciência, onde reina a amizade e o bom senso, o que demonstra que a Academia, com cinqüenta e quatro anos, ainda nutre esse facho de amizade que reúne os acadêmicos. Relembrou, ainda, que, em 14.5.1999, faleceu o Prof. Carlos AlBERTO Short, e externou à família do acadêmico os sentimentos de condolências, já que Short sempre defendeu na UERJ a bandeira de uma disciplina que hoje se encontra restabelecendo, a bandeira da filologia, divulgando-a em dois congressos, nos momentos de reuniões do Departamento LIPO da s UERJ e em tertúlias literárias e lingüísticas. O Prof. Cláudio Cezar Henriques, Diretor do Instituto de Letras, solicitou um minuto de silêncio em memória do Prof. Short. A seguir, o Prof. Chediak lembrou a necessidade de haver uma biblioteca na sala da Academia, na UERJ. O Prof. Leodegário informou que as obras doadas à Academia ficarão num setor especial da biblioteca, no 11º andar, à disposição, também, dos alunos da Universidade. O Prof. Manoel noticiou a presença do repórter Marcelo Bibiano e de um fotógrafo da Folha Dirigida, que vieram fazer a cobertura de nosso evento. O Prof. Leodegário lembrou que o jornal estabeleceu um convênio com a Academia para patrocinar o Congresso Internacional Brasil – 500 anos de Língua Portuguesa. O Prof. Bechara assumiu a presidência e passou a palavra ao Prof. Leodegário para falar sobre o pensamento lingüístico e filológico de Antônio Houaiss e sobre a figura humana que foi, pois deixou uma obra que o fará permanente na cultura brasileira em vários setores, não apenas no setor lingüístico-filológico, já que foi um homem admirável e de grande sensibilidade. O Prof. Leodegário agradeceu ao Prof. Bechara pela introdução. A seguir, leu um trecho do livro Antônio Houaiss: uma vida, da Civilização Brasileira, organizado por uma comissão presidida pelo embaixador Afonso Arinos de Melo Franco, e ofereceu um fascículo do livro aos presentes. O Prof. Leodegário leu o trecjho da página 119: “Será bom acrescentar agora que o nosso homenageado algumas vezes tem sido criticado porque escreve em estilo barroco, ao que dizem. Seria isso razão aceitável de crítica? Senhor absoluto que é do idioma e de seus íntimos segredos, até nisso Antônio Houaiss se mostra fiel à própria cultura brasileira em sua força de raízes históricas, tendendo muito mais para alinha curva do que para alinha reta. Ele tem na língua o gosto vivo da palavras, o sabor verbal, pois joga com elas na frase como se fosse um jongleur de estrelas a explorar a própria aura mágica que envolve os vocábulos do idioma, não se perdendo nesse jogo inteligente e perigoso, porque nele a frase respira ritmos e melodia inesperados, com profunda erudição e espantosa sensibilidade, tudo em estilo pictórico, dionísíaco mesmo, jamais apolíneo, pois tanto se dirige à audição como à visão, composto sempre em profundidade, bem longe da superficialidade brilhante e com partes subordinadas a um núcleo ideológico central, invariavelmente aberto e que se amplia – quase diríamos – em contorcidas volutas sinonímicas.” O Prof. Leodegário recordou palavras de Gilberto Freire, em Casa grande e senzala, na passagem em que buscou caracterizar o estilo barroco de Euclides da Cunha. Quando se traçar – se isso algum dia se fizer – o quadro dos estudos lingüísticos e filológicos do Brasil dos nossos dias, o nome de Antônio Houaiss certamente ocupará a segunda metade do século de forma nítida e inconfundível. Licenciado em Letras clássicas, em 1942, pela antiga Faculdade Nacional de Filosofia, hoje Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, logo exerceria o magistério de português, latim e literatura no ensino secundário oficial da antiga capital da República, isso até 1946. Em 1944, seria contratado pela Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores para lecionar língua e cultura do Brasil no Instituto de Cultura de Montevidéu. Em 1956, como Secretário-Geral do Primeiro Congresso Brasileiro de Língua Falada no Teatro, realizado em Salvador, caber-lhe-ia organizar e publicar os Anais desse importante encontro de especialistas, isso em 1958, nele incluindo-se a sua excepcional comunicação sobre Normas da língua falada culta no Brasil, com fundamento na pronúncia carioca, considerada padrão, trabalho que serviu de base para as próprias conclusões gerais do Congresso. Ainda em 1958, em Porto Alegre, também exerceria as funções de Secretário-Geral do Primeiro Congresso Brasileiro de Dialectologia e Etnografia, igualmente cabendo-lhe organizar e publicar os Anais desse encontro, editados pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, em 1970. Foi ainda, de 1956 a 1958, colaborador e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, além de membro da importantíssima Comissão Machado de Assis, desde a sua criação, em 1958. Para a Academia Brasileira de Filologia foi eleito em 1960; e para Academia Brasileira de Letras, em 1971. Foi também membro da comissão nacional para o estabelecimento de diretrizes que melhor promovessem o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da língua portuguesa, instituída pelo Decreto nº 91372, de 26 de junho de 1985, com relatório conclusivo por ele apresentado em 20 de dezembro do mesmo ano. Mais recentemente, em janeiro-fevereiro de 1986, foi delegado do governo brasileiro para proceder, no âmbito das sete nações de língua oficial portuguesa, ao encontro para a unificação ortográfica do idioma, continuando como membro da delegação brasileira na reunião realizada no Rio de Janeiro de 6 a 12 de maio de 1986, da qual aliás foi o secretário-Geral. Por fim, deu início à elaboração, a partir de 1986, no monumental Dicionário da língua portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, obra incrível e infelizmente inconclusa, em face das dificuldades financeiras para as questões de cultura no Brasil. A propósito, observe-se que, já em 1981, coube-lhe preparar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, com 400 mil registros, também para a Academia Brasileira de Letras. A brevíssima pincelada introdutória acima indica apenas alguns pontos do sue multifacetado roteiro e das suas múltiplas atividades no campo dos estudos lingüísticos e filológicos brasileiros. Prosseguindo-se, diga-se agora que, no que se refere a publicações especializadas, foi editado em 1959 o precioso estudo intitulado Tentativa de descrição do sistema vocálico do português culto na área dita carioca, até hoje o melhor sobre o assunto na área dialectológica e ortofônica do português falado no Rio de Janeiro. Em confronto com o sistema vocálico do português de Lisboa, Antônio Houaiss demonstrou que a nossa pronúncia é de base vocálica (vocalismo tenso) em oposição à pronúncia de base consonântica do falar lusitano (consonantismo tenso). Daí, é claro, logo se conclui que o sistema consonântico do português do Brasil tende a modificações, assim como tende a modificações o sistema vocálico do português de Portugal. A despeito dessas pequenas diferenças – pequenas, mas importantes – em suas Sugestões para uma política da língua (Rio de Janeiro, INL, 1960), erudita e superiormente defendeu o princípio da unidade na diversidade do português falado nos dois lados do Atlântico, tese naturalmente bem acolhida pelos verdadeiros estudiosos da matéria. No caso, com a necessária flexibilidade, impõe-se a distinção já feita por Eugênio Coseriu entre sistema, norma e fala, partindo-se mesmo da dicotomia proposta por Ferdinand de Saussure entre langue e parole. Tudo isso, evidentemente, iria projetar os estudos lingüísticos e filológicos de Antônio Houaiss no mundo lusofônico, como não podia deixar de ser, em face da clareza de suas posições e da qualidade de seus estudos. Mas é na sua magistral Introdução filológica às Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (Rio de Janeiro, MEC, 1961), que Houaiss vai revelar-se o maior teórico da ciência ecdótica em língua portuguesa, lançando as bases realmente científicas para a edição do maior escritor brasileiro de todos os tempos. Ainda aqui, nos domínios específicos da crítica textual, da documentação e da bibliologia, ressalto os seguintes títulos. Elementos de bibliologia (1967), já em segunda reimpressão (1983), livro único nos domínios da língua portuguesa e de amplo uso universitário, tanto no Brasil como em Portugal; Obras, de Lima Barreto (1956), volume publicado em colaboração com Francisco de Assis Barbosa e M. Cavalcanti Proença, onde a fixação crítica do texto é feita com visível rigor, razão pela qual se trata da melhor edição até hoje publicada desse admirável romancista; O Texto dos Poemas, introdução ao volume Gonçalves Dias, poesia e prosa escolhida, publicado pela Aguilar, em 1959, com seguro estabelecimento crítico do texto e notícia técnica sobre a questão; na Revista do Livro nº 15, Suplemento nº 1, em 1959, inseriu-se a sua magnífica Introdução ao texto crítico das Memórias Póstumas de Brás Cubas, ensaio que se tornou básico para a edição crítica de qualquer autor moderno das literaturas de língua portuguesa; no Suplemento nº 4 da Revista do Livro nº 18 (1960), foi estampado o seu Plano do Dicionário de Obras de Machado de Assis, trabalho que só poderia ser concebido e estruturado por um filólogo de sua qualificação técnica; a extraordinária edição crítica das Memórias Póstumas de Brás Cubas (MEC, 1961), livro que se tornou modelo de qualquer edição crítica de autor moderno, tanto no Brasil como em Portugal; a fixação crítica do texto de Eu, outras poesias, poemas esquecidos (1965), de Augusto dos Anjos, livro reeditado pela livraria São José, em 1971. Por último, as famosas edições críticas de Obras, de Machado de Assis, em 1975, pelo Instituto Nacional do Livro, com sua extensa e intensa participação na Comissão Machado de Assis em suas distintas fases, como membro efetivo na supervisão dos trabalhos de coordenação editorial final e constante colaboração nas atividades das subcomissões. Não é de admirar tão amplo e fecundo labor em que, desde cedo, dedicou-se à história da língua, traduzindo para o português a excelente obra de Edwin B. Williams, com o título Do latim ao português (1961), livro básico para os estudantes de filologia românica e de linguística diacrônica. Pertencendo, segundo a nossa perspectiva crítica, à terceira geração do período científico da lingüística e da filologia no Brasil do século XX, justo é que se faça aqui um pequeno retrospecto da questão, partindo-se da primeira geração científica. Esta se iniciou com Mário Barreto, Heráclito Graça, João Ribeiro, M. Said Ali, Pacheco da Silva Júnior, Otoniel Mota, Silva Ramos, Silvio de Almeida, Oskar Nobiling e Amadeu Amaral, entre outros; da segunda geração com Augusto Magne, Antenor Nascentes, Souza da Silveira, José Oiticica, Clóvis Monteiro e Quintino do Valle, entre muitos outros, e da terceira geração, que é a dele, já colhendo os frutos da linguística moderna, como nos indicam os trabalhos pioneiros e sistemáticos de J. Mattoso Câmara Jr. E Sílvio Elia, com nomes como Serafim da Silva Neto, Th. Maurer Jr., Celso Cunha, Rocha Lima, Aurélio Buarque de Hollanda, Gladstone Chaves de Melo, Joaquim Ribeiro, M. Cavalcanti Proença, Mansur Guérios, Othon Moacyr Garcia, Segismundo Spina, A. J. Chediak, Olmar Guterres da Silveira e Jesus Belo Galvão, entre tantos outros que, segundo a variação cronológica de 15 anos, própria do critério geracional, podem ficar ao lado de Antônio Houaiss. Se Antenor Nascentes nos deixou o primeiro Dicionário etimológico da língua portuguesa e Serafim da Silva Neto a História da língua portuguesa, estaria reservada a Antônio Houaiss a glória de organizar o maior Dicionário da língua portuguesa, já aqui referido, mas ainda inconcluso, por um sem-número de dificuldades, para a imensa tristeza de todo o mundo lusofônico. E aqui cabe uma observação de ordem crítica, em nome da própria filologia portuguesa, pois vemos que o chamado Prêmio Camões, já contestado por Eduardo Lourenço, um dos maiores pensadores da cultura de Portugal no presente momento, e contestado por seu caráter negativamente político, bem poderia ser extinto, destinando-se a verba a ele reservada ao custeio de projetos como o de Antônio Houaiss, de forma infinitamente mais proveitosa para a língua portuguesa no mundo. Retornando-se à qualidade da obra científica de Antônio Houaiss, e apenas no que se refere à lingüística e à filologia, pois outros estudiosos, com maior competência, irão escrever sobre o ensaísta, o teórico da literatura, o crítico literário, o tradutor de Joyce, o enciclopedista e sobre o humanista e grande pensador da cultura brasileira, caberia então indicar aqui as grandes linhas de interesse de sua permanente investigação lingüística e filológica. E isso se fará a partir de sua ampla visão e notável conhecimento da lingüística moderna, desde muito cedo preocupando-se com a sociolingüística e com a etnolingüística, para estudar a variedade e a variação da língua no seio de uma determinada estrutura social ou de uma determinada cultura, como o tem feito, sempre que trata de analisar a situação da língua portuguesa – nunca estática! – na diversidade cultural das sete nações que integram o mundo lusofônico, mas língua sempre unificada por um sistema comum, pela incolumidade de suas formas gramaticais. Outra linha de interesse em seus estudos, exatamente a que dele fez o maior mestre da matéria entre nós, está voltada para a ecdótica, aqui incluindo-se a crítica textual especificamente considerada e tão bem desenvolvida pela Comissão Machado de Assis, a que já fizemos referência aqui. Falta, entretanto, mencionar o seu consciente projeto de edição crítica da obra de Gregório de Matos, que bem expôs em congressos, a partir de curso de crítica textual ministrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, já lá se vão muitos anos. O Prof. Leodegário ressaltou também o interesse de Antônio Houaiss pela questão ortográfica. Escreveu, pela Ática, em 1992, o livro A nova ortografia da língua portuguesa, ma infelizmente morreu sem ver concluída a unificação ortográfica. Concluindo, o Prof. Leodegário disse que prestou homenagem a um dos homens mais dignos que este país já teve, uma das maiores culturas sdo nosso século, porque não se limitou, tinha visão do conjunto, ele sabia penetrar na semente de uma árvore, ele também tinha visão do conjunto da floresta inteira. Antônio Houiass merece admiração de todo o povo brasileiro por sua vida e por sua obra. O Prof. Bechara agradeceu, em nome da Academia, a bela homenagem prestada ao nosso querido, saudoso e inesquecível Antônio Houaiss. Pelo regimento, abriu-se a palavra aos presentes. Falou, então, o sobrinho do homenageado, o dicionarista Mauro de Salles Villar, que informou sobre o trabalho executado no Instituto Antônio Huoiass, num padrão extremamente exigente, com características dicionário histórico, de dicionário etimológico, com um grupo excepcional, num trabalho que será o mais importante projeto de cultura do Brasil. Também em Portugal há um grupo. O término está previsto para final de agosto do ano 2.000. Há um grupo de cerca de trinta redatores. O trabalho dará condições de criação de vocábulos que não constam nos dicionários, principalmente com o auxílio de prefixos e sufixos. Esteve presente o acadêmico Antônio Geraldo da Cunha, que é consultordesse dicionário, integrado no projeto como consultor na parte etimológica, pois é autor de um diccionário etimológico e de um dicionário do português arcaico, que foi até a letra D. O Prof. Bechara sempre lembra que a extinção do Instituto Nacional do Livro foi uma grande perda para a cultura brasileira, pois em todos os lugares do mundo determinados livros são recusados pelos editores, porque não de fácil vendagem. Por exemplo, o grande público não se interessa por um Dicionário do Português Medieval. Para isso, existia O Instituto Nacional do Livro. O Padre Magne editou a Demanda do Santo Graal, em convênio com a Casa de Rui Barbosa. Prestava-se um serviço fantástico à cultura brasisleira com esse Instituto, infelizmente extinto. O Professor Chediak usou da palavra para lembrar o fato de que um jovem se apresentou dizendo chamar-se Mário Mussolini, querendo preparar-se para o Itamarati.. Chediak disse-lhe que, com esse nome, ele não entraria para o Itamarati. Um mês depois, o rapaz voltou e disse que em Goiânia, tinha mudado o nome para Mário Calábria. Mais tarde, esse jovem foi o responsável pelo afastamento de Antônio Houaiss da diplomacia. O nome já estava indicando o caráter dele, concluiu o Mestre Chediak. Também a Profª Cilene da Cunha Pereira prestou homenagem a Antônio Houaiss, lendo o seguinte discurso, denominado de “Lembrando Antônio Houiass”: Permito-me, nesta Sessão solene, aflorar alguns aspectos da vida de Antônio Houaiss, presença quase compulsória em minha casa. Cresci ouvindo histórias a seu respeito que até hoje guardo vivamente na memória. Amigo de meu pai desde menino, companheiros afetivos e intelectuais, tiveram uma formação paralela de início. Ambos de uma família de sete irmãos passaram a infância e adolescência em contato direto com o mar, a areia e o sol. Antônio Houaiss, em Copacabana; Celso Cunha, na Av. Niemeyer. Ambos se vangloriavam de terem sido grandes nadadores. Os dois casaram-se aos 25 anos de idade e viveram casados quase o mesmo tempo: Antônio Houaiss permaneceu 46 anos ao lado de Ruth; Celso Cunha, 47, ao lado de Cinira. Antônio Houaiss iniciou seus estudos na Escola de Comércio Amaro Cavalcanti, onde foi aluno de Ernesto Faria e de Joaquim Mattoso Câmara Jr., este o introdutor dos estudos lingüísticos no Brasil, aquele um dos melhores latinistas do país e de quem tive eu o privilégio de ser afilhada. Foram os extraordinários mestres desse candidato a perito contador os responsáveis pelo seu grande amor à nossa língua. Antônio Houaiss pertenceu a uma geração de figuras proeminentes das Letras no Brasil que mescla elementos de formação universitária específica com autodidatas de sólidos conhecimentos lingüístico-filológicos, como Celso Cunha, Antônio José Chediak, Gladstone Chaves de Melo, Olavo Nascentes, Othon Moacyr Garcia, Rocha Lima, Serafim da Silva Neto, Sílvio Elia. Todos alunos de grandes mestres brasileiros como Antenor Nascentes, Sousa da Silveira, José Oiticica e de eminentes professores franceses e italianos fugidos da Europa, em guerra, que vieram ajudar a criar o curso de letras nos país. Um traço de sua inconfundível personalidade era saber dizer as coisas mais leves e fugazes com propriedade, esteadas num copioso vocabulário em que, não raro, predominavam engenhosas expressões e construções sintáticas. Foi nesse contínuo tirocínio que armazenou o saber que o sagrou extraordinário filólogo. Lembro-me, neste momento, do primeiro encontro de Antônio Houaiss e Rocha Lima com Rodrigues Lapa, na Biblioteca nacional, em que o ilustre mestre português, ouvindo-os conversar animadamente, virou-se para Celso Cunha e disse: “este (apontando para Rocha Lima) pude compreender com certa dificuldade o que dizia, mas aquele (Antônio Houaiss) não consegui perceber nada”. A presença de Antônio Houaiss em Congressos e bancas de Mestrado ou Doutorado era garantia de êxito. Suas argüições eram verdadeiramente aulas magistrais. Recordo-me da defesa de Tese de Paulo Roberto Pereira, cúmplice destas lembranças, quando Antônio Houaiss, com o seu saber enciclopédico, apresentou um extraordinário panorama da circulação do livro no Brasil colonial. Foi ,justamente com Celso Cunha e Antônio José Chediak, membro da Comissão Machado de Assis cujas propostas até hoje representam um sonho dos machadianos. Esses três mosqueteiros da língua criaram na década de 60, no antigo Instituto Nacional do Livro, o curso de Ecdótica, buscando formar uma nova geração de filólogos, o qual tive a honra de freqüentar. Tal projeto não foi adiante devido ao arbítrio do regime militar. Trabalhador incansável das Letras, Antônio Houaiss além de vocabulários, dicionários e enciclopédias, escreveu diversos estudos sobre a diversidade lusofônica e a crise da nossa língua de cultura, que constituem textos de leitura obrigatória. Lembro-me de vê-lo, sempre que podia, defendendo “um grande ensino da língua, que passasse por oito ou nove anos de escolaridade obrigatória, durante oito horas por dia.” Cuidou do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, cujo sonho compartilhou com meu pai, e nos últimos anos trabalhou arduamente no Dicionário comum ao mundo lusófono, Dicionário Houaiss, que será lançado, quando das Comemorações dos 500 anos do Descobrimento do nosso país. “O homem que domina bem a sua língua é um homem privilegiado”, dizia ele ter apreendido isso de seus pais como um traço da cultura árabe. Talvez aí esteja a explicação para o fato de vários filhos de libaneses terem-se dedicado ao estudo ao estudo do vernáculo. É o caso de Said Ali, Antônio José Chediak, Evanildo Bechara, Adriano da Gama Kury, Antônio Sales. Funda com meu pai a Ibérida – mais um de seus neologismos -, revista que faltava e pretendia realizar a publicação de estudos filológicos em trono do complexo ibero-românico e suas projeções extrapeninsulares, sobretudo americanas. Infelizmente dela só saíram seis números. Com a morte de Antônio Houaiss, a de Celso Cunha e de Silvio Elia, perdem as Letras brasileiras figuras mais ilustres da atualidade. Mas a recordação que fica das qualidades intelectuais, científicas e morais de Antônio Houaiss, do seu jeito tão peculiar de ser não se apagará da memória dos que tiveram o privilégio de haver podido aprender com a convivência e com os ensinamentos colhidos na leitura de seus trabalhos. Patenteou ele as provas mais inequívocas de sólidos conhecimentos e de amor com que soube cultivar a língua vernácula. Devo a ele bem como ao Professor Antônio José Chediak a indicação do meu nome para integrar esta Academia.” Finalizando a sessão, o acadêmico Paulo Silva de Araújo pediu a palavra para ler um poema de sua autoria, intitulado “Brasilidades”, para honrar o culto de Antônio Houaiss ao estilo e à beleza sonora da Língua Portuguesa. No trecho inicial, o acadêmio diz: “No reino das tradições belíssimas da Pátria, acham-se o Natal e os folguedos de São João e São Pedro.” Como não houvesse mais nada a tratar, o Sr. Presidente deu por encerrada a sessão. E, para constar, lavrei esta ata, que vai assinada pelo Presiedente e por mim, Manoel Pinto Ribeiro, Segundo Secretário .

 

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