Em
quatro de
dezembro
de mil
novecentos
e noventa
e nove, às
15h30min,
no RAV
112, na
UERJ, no
11º.
andar, na
Rua São
Francisco
Xavier,
524,
Maracanã,
foi
realizada
sessão
cultural
com
palestras
dos acadêmicos
Antônio
José
Chediak e
Domício
Proença
Filho.
Aberta a
sessão
pelo
Presidente,
Prof.
Leodegário
A. de
Azevedo
Filho,
foram
aprovadas
as atas
das sessões
de
18.9.1999
e de 01 e
06.10.1999.
A seguir,
foi dada a
palavra ao
Prof.
Chediak,
que,
exibindo
diversos
documentos
históricos,
propiciou
aos
presentes
o
conhecimento
de fatos
que
mostram a
importância
de nossa
Academia.
O primeiro
foi o
Anteprojeto
de revisão
do Pequeno
Vocabulário
Ortográfico
da Língua
Portuguesa
(1944,
Imprensa
Nacional,
Rio de
Janeiro-Brasil),
enviado,
em
17.12.1958,
pelo Prof.
Chediak ao
então
Presidente
da
Academia
Brasileira
de
Filologia,
Prof. Cândido
Jucá
Filho. Em
outro
documento,
um ofício,
de 11 de
dezembro
de 1942,
da
Academia
Brasileira
de Letras,
cujo
Presidente
era José
Carlos de
Macedo
Soares, o
Prof.
Chediak
recebia as
primeiras
provas
tipográficas
do Vocabulário
Ortográfico
da Língua
Nacional,
e no qual
se
solicitava
que ele
acrescentasse
as emendas
necessárias,
principalmente
uma relação
de
brasileirismos
correntes
na
linguagem
literária
e dos que,
ainda não
dicionarizados,
deveriam
ser pela
sua
expressividade
e boa
formação.
Em 23 de
janeiro de
1943,
recebia o
Prof.
Chediak um
ofício de
agradecimento
da
Academia
Brasileira
de Letras
, pelas
observações
feitas às
primeiras
provas do
Vocabulário
Ortográfico
da Língua
Nacional.
Em
27.12.1943,
recebia o
nosso acadêmico
um
exemplar
do Pequeno
Vocabulário
Ortográfico
da Língua
Portuguesa.
Num
suplemento
literário
de “A
MANHÔ,
de
1.1.1944,
é
transcrito
o discurso
de
despedida
de José
Carlos de
Macedo
Soares da
Presidência
da
Academia
Brasileira
de Letras.
Também
foi
exibido o
livro de
atas da
Academia
Brasileira
de
Filologia,
de 19 de
dezembro
de 1971 a
21 de
dezembro
de 1975.
Outro
documento
importante,
sem data,
tem o título
de “O
QUE É, E
O QUE TEM
FEITO A
ACADEMIA
BRASILEIRA
DE
FILOLOGIA”.
Em 03 de
maio de
1973, pela
Portaria
“E” n.º
27, o
Prof. Antônio
José
Chediak,
Secretário
de Estado
da
Administração,
usando das
atribuições
que lhe
conferia o
Decreto n.º
403, de 30
de março
de 1961, e
tendo em
vista o
disposto
no artigo
2.º do
Decreto n.º
2837, de 6
de
setembro
de 1923,
RESOLVEU,
na
conformidade
da Lei nº.
2172, de
16 de
abril de
1973,
declarar
de
utilidade
pública a
“ACADEMIA
BRASILEIRA
DE
FILOLOGIA”,
expediu
uma
Portaria.
(
publicada
no Diário
Oficial n.º
82, de
2.5.1973).
Ainda o
Prof.
Chediak
entregou
à
Academia
Brasileira
de
Filologia
um livro
com
recortes
diversos
com o título
“Filologia
–
originais
– inéditos
–
autores vários”,
um livro
de atas da
Academia,
de 19 de
dezembro
de 1971 a
21 de
dezembro
de 1975, e
uma síntese
histórica
de nossa
entidade,
de 1944 a
1949,
primeira
parte.
editada
por ele em
20 de
outubro de
1999. Também
fez a doação
de uma
tese em
Latim de Bélchior
Cornelio
da Silva,
defendida
em
7.11.1980,
denominada
de LII
Carmina
Drummondiana
Latine
Reddita,
defendida
na
Faculdade
de Letras
da
Universidade
Federal do
Rio de
Janeiro,
na Sala
Guimarães
Rosa, cuja
banca foi
constituída
dos
professores
Olmar
Guterres
da
Silveira,
Estevão
Tavares
Bethencourt,
Evanildo
Bechara,
Ruth Faria
e Antônio
José
Chediak.
Após sua
exposição,
o Prof.
Chediak,
que sempre
marcou sua
atuação
na
Academia
por uma
preocupação
em
preservar
os fatos
históricos
de nossa
entidade,
fez
entrega ao
Prof.
Leodegário,
a fim de
que fossem
arquivados
na
Secretaria,
todos os
documentos
que
mencionou
na
palestra.
O
Presidente
agradeceu,
sensibilizado,
a
participação
do notável
acadêmico,
a quem
denomina
de “memória
viva da
Academia”.
A seguir,
a palavra
passou
para o
acadêmico
Domício
Proença
Filho,
encarregado
da parte
cultural
da sessão,
com a
palestra
“O
ENIGMA
BENTINHO E
O DIÁLOGO
INTERTEXTUAL:
LIMITES”,
que é
transcrita
ipsis
litteris:
“A
natureza
do tema e
as
circunstâncias
da fala
levam-me a
assumir,
necessariamente,
uma dupla
condição:
a de
escritor e
a de
estudioso
de
literatura,
fato aliás
bastante
comum no
final
deste
atribulado
século
XX.
Trata-se,
a propósito,
de um
tempo, em
que também
é cada
vez mais
acentuada
a
complexidade
da arte
literária,
situada na
fronteira
dos
limites. E
em que, no
âmbito da
crítica
literária,
convivem e
por vezes
se
digladiam
as mais
variadas
tendências.
É ponto
pacífico,
entretanto,
que, entre
múltiplas
configurações
outras, a
palavra,
no
discurso
literário
abrange um
diálogo
de vários
textos, ou
como,
desde os
anos 60,
esclarece
Julia
Kristeva,
a partir
das
teorias de
Mikhaïl
Bakhtin,
“um
cruzamento
de superfícies
textuais”,
um diálogo
de várias
escritas:
a de quem
escreve ,
a do
destinatário
(ou da
personagem),
a do
contexto
cultural
atual ou
anterior.
Converte-se,
portanto,
num
mosaico de
citações,
envolve
“a absorção
e a
transformação”
de outros
textos,
consciente
ou
inconscientemente
aproveitados
pelo
escritor.
“A
palavra no
texto
pertence,
em termos
de
horizontalidade,
simultaneamente
ao sujeito
da escrita
e ao
destinatário”,
verticalmente,
é
“orientada
na direção
do corpus
literário
anterior
ou ao
sincrônico”.
Trata-se
dos
conceitos
bakhtinianos
/ diálogo
e ambivalência,
que, a
partir da
proposta
de
Kristeva,
passaram a
integrar a
chamada
intertextualidade.
Intertexto,
como
polifonia
e
deslocamento
são, vale
dizer, práticas
seculares
da
literatura
ocidental;
a novidade
é que
passam, na
contemporaneidade,
a ser técnicas
assumidas
intensa e
deliberadamente
pelos
escritores.
Estimulado
pelo texto
machadiano
e pelo
fascínio
da moça
dos olhos
de água e
à luz
desses
princípios,
é que,
também
sob o
signo do
duplo, me
permiti a
escrita do
romance
Capitu:
memórias
póstumas.
A
literatura,
como se
percebe, não
se afasta
muito da
fragmentação
esquizofrênica.
O texto
dialoga
conscientemente,
portanto,
com Dom
Casmurro
de Machado
de Assis.
E está
longe de
ser mera
transposição,
paráfrase,
ou
estilização.
Muito ao
contrário:
reveste-se,
pós-modernamente,
de dimensão
desconstrutora
e crítica.
Associa o
sensível
ao inteligível,
intuição
e razão.
Ilumina
este
processo
muito da
vasta
fortuna crítica
machadiana.
O romance
se faz
assim um
exemplo de
crítica-ficção
ou ficção
crítica.
No perigo
do limite,
uma vez
que era
fundamental
não
mostrar os
andaimes
do edifício.
Se isso
ocorreu, o
leitor,
para meu
desencanto,
logo
perceberá.
O que, de
certa
forma me
tranqüiliza,
mesmo
nestes
tempos de
questionamentos
radicais,
é a
constatação
de que o
texto
literário
realmente
representativo
ultrapassa
os limites
do
codificador
para nos
atingir,
enquanto
receptores,
com
mensagens
capazes de
revelar
fundamente
muito da
condição
humana.
Seja na
direção
do ser
individual
ou do ser
social.
Literatura
é
conhecimento,
desde
Aristóteles.
Dom
Casmurro
é, nessas
direções,
obra das
mais
significativas
e
permanentes.
Por força
do que
nela se
revela e
do modo de
realização
que a
configura,
reveste-se
de
atualidade
e abre-se,
na sua
polissemia,
a inúmeras
e variadas
leituras.
Que nos
possibilitam
depreender,
entre
outros,
aspectos
individuais
e
metonimizados
nos
personagens,
multiplicidade
de temas,
projeções
do social,
visões de
mundo, visão
do Rio de
Janeiro do
Segundo
Reinado,
articulações
de
linguagem
e,
sobretudo,
configurações
da
complexidade
da vida
humana.
Trata-se
de uma
narrativa
que não
se
centraliza
na ação.
Nela
importam
sobretudo
as situações
ficcionais
que a
concretizam.
O romance
privilegia
a matéria
pensada,
os comentários,
as digressões
do
narrador
em torno
dos fatos.
O texto se
faz de sua
visão
unilateral
e
distanciada,
sobre ser
confessadamente
suspeita:
ela mesma
declara,
no capítulo
LIX, que
“sua memória
não é
boa” e
exclamativamente,
que
“inveja
os que não
esqueceram
a cor das
primeiras
calças
que
vestiram”,
além de,
em várias
passagens,
demonstrar
suas dúvidas
sobre o
que narra.
Trata-se
de uma
confissão
que,
praticamente,
relativiza
toda a
história
por ele
contada e
coloca sob
suspeição.
A posição
do
escritor,
nessas
circunstâncias,
não
aparece
explícita.
Machado
fala muito
mais através
do silêncio
do
discurso.
E nisso,
é ainda
uma vez
pioneiro:
se, como
assinala
uma das
tendências
da crítica
contemporânea,
cabe ao
leitor a
concretização
do
significado
do texto
literário,
o romance
machadiano
abre
plenamente
o traçado
de sua
escritura
a essa
dimensão.
Dialogar
com tal
texto era
empresa
especialmente
arriscada:
A dona dos
olhos de
ressaca é,
afinal, um
ícone da
literatura
brasileira.
Machado é
Machado,
um dos
maiores
escritores
da língua
portuguesa.
Capitu
incorporou-se
à
realidade
cultural
brasileira
como uma
forma
mentis,
para usar
a feliz
expressão
de marco
Lucchesi.
Relutei,
confesso,
nos
primeiros
momentos.
Depois
pensei:
escrever
é sempre
um risco.
O oxigênio
da arte é
a
liberdade.
Arrisquei-me.
Com uma
estratégia
primeira:
rastrear,
nos
interstícios
da fala do
narrador-casmurro
não os
aspectos
que o
concretizam
e que a
história
se
depreendem
a partir
do
centramento
em sua
figura,
mas buscar
neles a
“verdade”
de Capitu.
Afinal,
ela era
acusada,
condenada
execrada,
sem
nenhuma
oportunidade
de defesa.
Não lhe
fora
concedido
sequer o
direito ao
discurso.
Ela nos
chega
através
da palavra
autoritária
do Dr.
Bento
Santiago.
É uma
referência.
Vários
caminhos
ficcionais
se me
ofereciam.
Optei por
conceder,
cem anos
depois, a
palavra à
antiga
jovem de
Matacavalos.
E foi o
Bruxo do
Cosme
Velho ele
mesmo que
me
forneceu a
chave do
empreendimento:
Se Brás
Cubas
escreveu
de além-túmulo,
por que
Capitu não
poderia
ter
aprendido
com ele as
artimanhas
de tal
escrita? E
foi também
ele quem,
direta e
indiretamente,
me
autorizou
a valer-me
do seu
texto. No
primeiro
caso, com
a
manifestação
expressa
de sua
palavra,
no mesmo
capítulo
LIX do Dom
Casmurro:
Nada se
emenda bem
nos livros
confusos,
mas tudo
se pode
meter nos
livros
omissos.
Eu quando
leio algum
desta ou
de outra
casta, não
me aflijo
nunca. O
que faço,
em
chegando
ao fim, é
cerrar os
olhos e
evocar
todas as
coisas que
não achei
nele.
Quantas idéias
finas me
acodem então!
Que de
reflexões
profundas!
(...)
Assim
preencho
as lacunas
alheias;
assim
podes também
preencher
as minhas.
De maneira
indireta,
com seu
exemplo,
na feitura
do seu próprio
romance:
um diálogo
intertextual
assumido
entre
outros e
maior
escala,
com o
Otelo, de
Shakespeare,
e apontou
Eugênio
Gomes, um
possível
aproveitamento
do romance
Madeleine
Férat, de
Emile
Zola,
autor que
Machado
confessadamente
admirava.
No
primeiro
caso, o
capítulo
LXXII é
revelador.
O Dr.
Bento
Santiago
propõe
que as peças
começassem
pelo fim.
Otelo
mataria a
si e a
Desdêmona
no
primeiro
ato, os três
seguintes
seriam
dados à ação
lenta e
decrescente
do ciúme,
e o último
ficaria só
com as
cenas
iniciais
da ameaça
dos
turcos, as
explicações
de Otelo e
Desdêmona,
e o bom
conselho
do fino
lago:
“Mete
dinheiro
na
bolsa”.
De certa
forma,
parte
dessa
reforma
acontece
na elaboração
do Dom
Casmurro,
onde seda
a fratura
do resgate
e a tragédia
não se
consuma. O
Dr. Bento
não mata
Capitu e,
se não põe
o dinheiro
na bolsa,
pelo menos
faz sua
catarse
através
do resgate
na memória.
Explicações.
A presença
sub-reptícia
do texto
de Zola se
evidencia
em algumas
coincidências,
ainda que,
sob inúmeros
aspectos
relevantes,
os textos
se
distanciem.
O romance
francês
também
envolve um
triângulo
amoroso. A
jovem
Madeleine,
órfã de
pai, ameaçada
pelo assédio
sexual do
tutor,
foge para
Paris. Ali
conhece
Jacques,
de quem se
torna
amante.
Este viaja
para o
Oriente e
dele não
se tem
mais notícia.
Sabe-se
que o
navio em
que
viajava
naufragara.
Madeleine
se liga
então a
Guilherme.
Vai morar
com ele. E
encontra,
na nova
casa, um
retrato de
Jacques,
com uma
afetuosa
dedicatória
ao amigo.
Guilherme
quer muito
ser pai. A
jovem
atende ao
seu
desejo:
tem uma
filha com
ele, Lúcia.
Três anos
depois,
carta de
Jacques:
está
vivo, vem
para
Paris. Na
sua
primeira
visita,
Guilherme
insiste
para que
more em
sua casa.
Os antigos
amantes
lhe
revelam
então o
segredo de
seu
passado.
Leal e
francamente.
A suspeita
e o ciúme
tomam
conta de
Guilherme.
A menina,
por sua
vez, tem a
mania de
imitar
pessoas.
Inclusive
Jacques.
Guilherme,
em pranto
convulsivo,
confessa
à mulher
que
encontra
semelhanças
entre o
amigo e a
menina. De
repente um
olhar
profundo
de
Madeleine
lhe traz a
revelação:
ele estava
certo. A
semelhança
era
flagrante,
sobretudo
no jeito
de enrugar
os lábios
e a testa.
Guilherme
desespera
de ciúme.
Nem falta
o sonho de
um naufrágio,
em que um
amigo
emerge
para
arrebatar-lhe
a mulher.
Certas
falas de
Madeleine
são
significativas:
“o
passado
era esse
homem que
o mar
tragara”.
Há uma
criada,
Genoveva,
que por
sua vez
hostiliza
a sofrida
jovem
senhora, e
que vive a
citar o
Velho
Testamento.
Acrescentam-se
outros
fatos,
como a
repulsa
gradativa
de
Guilherme
pela criança,
a ameaça
de agressão,
a navegação,
a divisão,
a sua
decisão
de
suicidar-se,
logo
afastada,
a sua
proposta
de
viajarem
para
longe, o
sue
desespero
cada vez
maior e a
conclusão,
significativa:
“Amei
dois
seres:
Jacques e
Madeleine,
e esses
dois seres
ultrajaram-me
desse
modo”. Só
faltava
ter
escrito
“que a
terra lhes
seja
leve”. E
ainda a
morte da
menina,
com o
segundo
amante a
descobrir-lhe
nos lábios
a mesma
gravidade
da boca do
amigo.
Madeleine
culmina a
libertar-se
pelo suicídio.
Mais
coincidências,
é claro
do que o
diálogo
assumido,
uma vez
que o
texto
machadiano
reveste-se
de maior
complexidade.
Poder-se-ia
também
pensar na
hipótese
de o
aproveitamento
de uma
história
que lhe
foi
contada
por Graça
Aranha,
centrada
em certa
personagem
grega, de
quem
tivera notícia,
num hotel
suíço,
através
de um
polaco
extravagante,
uma jovem
que
"tinha
uns olhos
singulares
e raros,
exprimiam
a um tempo
um quê de
perturbador,
de
tempestuoso,
de voraz;
e a um
tempo eram
mansos,
cheios de
volúpia
terna,
moribundos.
Para
defini-los
pelos
olhos alguém
me disse:
oblíqua e
dissimulada.
Creio porém
que seria
melhor
dizer
olhos de
ondas, das
pérfidas
ondas, em
uma
palavra
olhos de
ressaca".
E diz
mais, na
missiva, o
autor de
Canaã que
era
casada,
tinha um
amante, o
melhor
amigo do
marido,
que tivera
um filho
do amante.
A suspeita
do marido
se se
evidencia
quando o
menino
começa a
imitar os
sestros do
pai. Que
morre
afogado no
mar do
Pireu. A
crise de
ciúme
chega ao
ápice, na
hora do
enterro.
Graça
Aranha
reproduz o
que teria
sido as
palavras
do
narrador
polaco
"Momento
houve em
que os
olhos da
grega
fitaram o
defunto,
quais os
da viúva,
sem o
pranto nem
a palavra
destas mas
grandes e
abertos
como a
vaga do
mar lá
fora, como
se
quisesse
tragar
também o
narrador
da manhã".
É muita
coincidência.
A carta de
Graça
Aranha
data de 30
de outubro
de 1889. A
primeira
edição
do romance
machadiano
data do
mesmo mês,
do mesmo
ano.
Rubens
Alves
Correia,
em
comunicação
feita no
VII
Congresso
da
ASSEI-Rio,
intitulada
"Dom
Casmurro
pré e pós:
dois quase
casos de
polícia e
políticas"
levanta a
hipótese
de uma
brincadeira
do autor
de Canaã.
A suposição
certamente
corresponde
à
verdade:
segundo o
machadianissimo
Josué
Montello,
Graça
Aranha
estivera,
com
Joaquim
Nabuco, em
Paris,
onde
visitara a
Editora
Garnier e
teria lido
os
originais
machadianos.
A história
da jovem
grega
teria
emergido
da sua
condição
de amigo
íntimo do
criador da
moça dos
olhos de
ressaca. Já
Capitu:
Memória Póstumas
insere-se,
deliberadamente,
no
intervalo
do
discurso
de
Machado-autor
e de Bento
Santiago-autor.
É nesse
lugar,
confluência
integradora
de um e de
outro, que
se situa a
aguda
dimensão
crítica
com que o
Bruxo
vergasta a
hipocrisia
social, o
conflito
de classe,
o jogo de
interesses,
a ditadura
da aparência.
No fundo,
as memórias
de Capitu
foram
pensadas
como uma
tentativa
de
decifrar o
enigma
Bentinho.
Através
do
discurso
da jovem
de olhar
de cigana.
E sem
desfigurar-lhe
a
personalidade
e mistério
que a
cerca. E
ela prova
que o
fruto que
estava
dentro da
casca era
ele.
Desvenda-lhe
a
personalidade
doentia. Põe
a nu as
mazelas do
ciúme.
Denuncia o
preconceito
social.
Assume-se
como
mulher e
retoma a
trama-de-origem
para
desconstruí-la
e analisá-la.
E não
teme
valer-se
de algumas
transcrições,
com as ações
e os
comportamentos
submetidos
à sua visão
crítica.
E mais:
essa
Capitu não
é Bento
Santiago.
Fala uma língua
própria.
E marcada
de
simplicidade.
E não se
vale do
capote
axiomático
tão do
gosto do
ex-marido.
Não nos
esqueça
de que sua
formação
não passa
da escola
secundária.
Como
acontecia
com
algumas
jovens
privilegiadas
do Rio do
século
passado.
E, por
outro
lado,
prescinde
do
recurso: não
precisa do
aval
alheio
para
justificar
seus atos
e
julgamentos.
E ela,
como
Sancha,
sua amiga
de fé, é
uma
adolescente
do século
XIX, com a
ingenuidade
e a malícia
que marca
as jovens
desse
tempo,
quer não
cuidam de
outra
coisa que
não seja
o seu
casamento>
Essa a
aspiração
feminina
por excelência,
sobre ser
aval de
aceitação
pela
sociedade.
A tal
ponto que
a idade
casadoira
ideal
situava-se
entre os
13 e 14.
Chegar aos
20 sem
casar era
ser
pejorativamente
solteirona.
As meninas
eram
educadas
para ser
esposas e
mães.
Para
assegurar
herdeiros,
administrar
o lar,
cuidar das
escravas,
organizar
festas,
garantir a
permanência
e a
continuidade
dos
valores da
moral e
dos bons
costumes.
Namoro?
Platônico.
A exigir
sempre a
presença
de uma
terceira
pessoa
junto.
Comunicação
de
namorados?
Por carta,
bilhetes,
flores,
movimentos
de leque.
sexo, é
obvio, só
na condição
de casadas
e
exclusivamente
com o
marido. E
não era
sem razão
que o currículo
escolar
masculino
destinguia-se
do
feminino:
os alunos
deveriam
aprender a
ler, a
escrever,
a contar,
e os mais
adiantados,
aritmética,
geografia,
línguas.
O
aprendizado
das alunas
limitava-se
às
primeiras
letras, à
gramática
portuguesa
e
francesa,
à
costura,
à música,
ao canto e
à dança.
De matemática,
desde a
lei de
1827,
apenas as
quatro
operações.
Já se
percebe,
diante
desse
quadro,
caracterizado
a partir
de
pesquisa
de Ingrid
Stein, a
singularidade
de Capitu.
Os textos:
semelhanças
e
dessemelhanças.
Uma
narrativa
de ficção
envolve
tradicionalmente
personagens
em ação,
integrada
a uma
narração,
a partir
de
determinado
enfoque,
em torno
de tema ou
de temas,
desenvolvidos
a partir
de um
enredo ou
trama,
tudo isso
criado num
estilo
peculiar.
No caso,
os dois
textos têm
em comum o
enredo ou
trama: não
podia ser
de outra
maneira,
diante da
proposta;
a ação
é
apresentada
de modo
similar: a
seqüência
de fatos
que fazem
o
texto-origem,
nuclearizada
na
deterioração
de uma
relação
amorosa,
destacado
o duvidoso
adultério,
deflagrador
do
desequilíbrio
da família.
Só que
Capitu
destrói
os
argumentos
de acusação
apresentados
pelo
ex-marido.
Que, a
rigor, se
reduzem a
apenas
quatro indícios
circunstanciais
de culpa:
o encontro
de
Bentinho
com
Escobar no
corredor
de sua
casa,
quando o
marido de
Capitu
voltava do
teatro; a
meia
suspeita
da sogra;
a semelhança
crescente
de
Ezequiel e
Escobar,
notadamente
a partir
do vezo de
imitar
assumida
pelo
menino; o
olhar lançado
ao cadáver
do marido
de Sancha,
no momento
do velório.
O que o
Dr. Bento
objetiva,
na
verdade,
mais do
que
caracterizar
o adultério,
é
demonstrar,
ao longo
de sua
exposição,
que Capitu
era
mau-caráter
desde
criancinha,
a Capitu
menina já
estava
dentro da
adulta,
“como a
fruta
dentro da
casca”.
Era,
portanto,
visceralmente
desonesta.
É uma
convicção
que o
narrador já
traz
pronta
desde que
decidiu
contar sua
história.
As Memórias
demonstram
justamente
o contrário:
o fruto
dentro da
casca era
ele, uma vítima
doentia do
ciúme,
incapaz de
assumir a
conversa
de risco.
E isso só
se torna
possível
por força
da arte
maior de
Machado:
da mesma
forma em
que o
narrador
de Dom
Casmurro
busca
demonstrar
que a
“verdadeira”
Capitu já
estava
dentro da
casca
desde
sempre e
remete o
leitor a
uma série
de indícios,
sub-reptícia
e
maliciosamente
distribuídos
ao longo
do seu
texto, a
narrativa,
em sua
ambigüidade,
deixa também
perceber
inúmeros
elementos
comprobatórios
de que o
ex-marido
também já
estava
dentro de
Bentinho,
carregado
de
insegurança
e de ciúmes.
O romance
machadiano
possibilita,
a propósito,
como sua
ampla
fortuna crítica
tem
demonstrado,
a depreensão
não de
um, mas de
uma
multiplicidade
de temas:
ao lado do
ciúme e
do adultério,
encontram-se
o
ressentimento,
a dúvida,
a fratura
do
resgate, a
fatalidade
da
infelicidade
do ser
humano, a
ambigüidade
e o fazer
do
romance, a
dissimulação
do
erotismo
feminino,
a crítica
ao
comportamento
religioso,
a denúncia
da
ditadura
da aparência,
o
desvendamento
da prática
jurídica,
a
relatividade
do
comportamento
humano. E
tais
dimensões
permanecem,
a luz de
outro
enfoque,
na falta
de Capitu,
em suas
memórias
póstumas.
E a ela se
acrescenta
a crítica
à visão
machista e
patriarcalista
da
sociedade
ao tempo
da ação
narrada e
retomada.
E o
acentuar
da denúncia
do
conservadorismo.
A fala de
Capitu em
seu relato
acentua a
denúncia
desses
aspectos,
antes
valorizados
no âmbito
da trama,
ao se
concentrar
na figura
feminina.
Há que
observar
que a prática
adulterina
era vista,
em relação
ao homem,
com
condescendência
as Memórias
Póstumas
de Brás
Cubas o
evidenciam
à larga.
A narração
é
diferente:
em Dom
Casmurro
ela é
conduzida
por Bento
Santiago,
uma voz
masculina,
em Capitu,
por ela,
uma voz
feminina,
isenta da
visão do
narrador-casmurro,
a tal
ponto
comprometidamente
machista,
que chega
a
considerar
“atrevidas”
as idéias
da mulher,
porque
questionadoras.
As idéias
e certas
atitudes
que ele
considera,
como
assinala
Roberto
Schwarz,
“falta
de caráter,
elemento
de
interesse
erótico
ou
característica
geral e
desabonadora
da
psicologia
feminina”.
Presença
forte nos
seus
romances,
a figura
feminina
é,
entretanto,
impiedosamente
retratada,
com
algumas
exceções.
Embora as
privilegie,
com
destaque
no jogo
das ações
que faz a
narrativa,
em geral
sua pena
acentua
traços de
mau-caráter,
de falta
de
firmeza,
de
dubiedade,
frivolidade,
interesse.
Capitu é
uma das
exceções,
mas, se
lida na
palavra do
narrador-personagem,
não
escapa: no
fundo, no
fundo, a
crer nas
palavras
do
ex-marido,
é uma
jovem tão
casadoura,
interesseira
e volúvel
como Virgília,
de Memórias
póstumas
de Brás
Cubas e
Sofia, de
Quincas
Borba. E,
quando
casada,
perde a
sobranceria,
diante
dele. Lida
sob outro
ângulo,
também
possibilitado
pelo alto
índice de
ambigüidade
do texto,
a moça
dos olhos
oblíquos
representa
a
insubordinação
ao domínio
machista
cultivado
pela rígida
sociedade
do tempo.
Seu
posicionamento
revela a
ruptura
com os
valores
internalizados
nas
mulheres
suas
contemporâneas
e que só
mais tarde
começarão
a ser
substituídos.
Sua estratégia:
a
dissimulação.
A mesma
arma que
Sofia e
Virgília
usam como
instrumento
de ascensão
social. Só
que, em
ambas, a
infidelidade
se
explicita
e, no caso
de Capitu,
permanece
sob a
sombra da
dúvida.
E, afinal,
seu
casamento
deu no que
deu. As
mulheres
machadianas,
acrescente-se,
ainda que
inteligentes
e cultas,
raramente
se
transformam,
em termos
de condição
social.
Ressalte-se
a valorização
e a
identificação
com o lar,
com a
ordem, com
a família,
a
maternidade,
como é o
caso de D.
Glória,
embora, na
dubiedade
com marca
seus
personagens,
associadas
à
ditadura
da aparência,
quando não,
ao
autoritarismo
de classe.
Nem Capitu
escapa
dessa última
configuração,
ainda que,
estruturalmente,
represente
um
contraponto
em relação
à mãe de
Bentinho.
Repare-se
que tudo,
na
primeira
parte de
Dom
Casmurro,
converge
para a união
dos dois
jovens
enamorados,
para a
realização
dos seu
projeto
amoroso.
E, depois
de
casados, o
filho
torna-se
obsessão.
Paralelamente,
acentua-se
a noção
de que o
casamento
restringe
o amor. A
valorização
deste último
ocorre na
imaginação
ou na relação
interdita
da condição
de amante.
Virgília,
por
exemplo,
casada com
Lobo Neves
e amante
de Brás
Cubas,
cresce, na
medida em
que vive o
permanente
sobressalto
do adultério,
até
porque,
nessa direção,
caracteriza-se
uma afirmação
de
liberdade
de ser, de
assumir-se.
Por outro
lado,
enquanto
heroína,
a figura
da mulher
surge
sempre
como
perturbadora
e
inesperada,
dotada de
estranho
fascínio
e
associada
à
tragicidade
da existência.
Traz a
marca da
fatalidade.
Sobre ser
configurada
à luz de
elementos
que a
fazem
enigmática.
Capitu se
insere
plena
nesta última
dimensão.
Perturba,
surpreende,
fascina,
intriga.
Fataliza-se.
É,
seguramente,
a mais
densa
personagem
criada por
Machado.
Repare-se
que tais
verbos, à
exceção
do último,
incidem
sobre a
sensação
do outro.
O talento
do
escritor a
esboçou
em breves
traços físicos,
e,
basicamente,
em duas
imagens
fortes,
definidoras
e
funcionais,
na medida
em que
importam
para o
desenrolar
da trama e
o traçado
da
narrativa.
E, ao
longo do
discurso
do
narrador,
ganha seus
plenos
contornos.
De um
lado,
através
de sua ação
e de sua
reflexão,
de sua
condição
de
mulher-cabeça,
de marcada
independência
intelectual,
com os pés
no chão
da
objetividade,
e através
do jogo de
relações
com os
demais
personagens,
em
especial
Bentinho.
De outro
lado,
através
da sua
configuração
psicológica,
enquanto
personalidade
forte e da
sua dimensão
social,
enquanto
representativa
de classe
ascendente.
A denúncia
que
Machado de
Assis faz
não a
deixa
romper a
couraça
do Aldo
forte do
sistema,
mas a pena
do
escritor
caracteriza
a
significação
da
tentativa
de
ruptura.
Compare-se
com
Sancha,
burguesmente
a mulher
de
Escobar.
Situada no
espaço da
ordem e do
comportamento
esperado.
A tal
ponto, que
serve de
mobilização
para o
desejo de
Bentinho.
E acaba
por
contribuir
para realçar,
por
contraste,
a figura
da amiga.
Capitu é
na
linguagem.
E é na
linguagem
que ela
retoma nas
suas memórias.
A questão
do ponto
de vista
é mais
complexa:
no
primeiro
texto,
Bento tem
por trás
Machado de
Assis, no
segundo, o
autor está
por trás
da
personagem
–narradora
por sua
vez
intermediada
pelo
narrador-persogem
Bento, por
seu turno
criado e
conduzido
por
Machado
...
linguagem
e
metalinguagem
também se
interpenetram
e se
intercruzam
no
discurso
da
ex-mulher
do Dr.
Bento. Seu
discurso,
de certa
forma, é
influenciado
pelo do
ex-marido.
Por
motivos óbvios.
Tempo e
espaço
também são
distintos:
o casmurro
associa
tempo
cronológico
e tempo
psicológico;
Capitu
escreve,
com Brás
Cubas, de
um tempo
atemporal,
posto que
de além-túmulo;
acrescenta
esse
aspecto ao
texto. E
se Dom
casmurro
se faz de
viagem na
memória,
as memórias
se fazem
de viagem
no
discurso.
Sua
narrativa,
por outro
lado, mantém-se
fiel à
integração
dos três
espaços
que fazem
o
romance-origem:
o mundo
interior,
o ambiente
familiar,
a cidade
do Rio de
Janeiro.
Mantém o
privilégio
concedido
ao
primeiro,
agora
deslocado
para sua
própria
imaginação,
depreendida
da
narrativa
primeira;
agora é o
seu
universo
psicológico,
é o seu código
de valores
que se
instaura.
O espaço
familiar
ganha também
novo
enfoque,
mas
continua
sendo uma
microssíntese
da
sociedade
brasileira
dos tempos
do Império,
o Segundo
Reinado. E
quanto à
realidade
urbana, a
narradora
se
permite,
com um
olhar mais
rigoroso
do que o
de Bento
Santiago,
situar a
realidade
do Rio de
Janeiro à
época,
como
quando
comenta as
visita do
Santíssimo
aos
enfermos:
É
importante
que se
diga que
essas
visitas do
Santíssimo
eram
bastante
freqüentes.
A
tuberculose,
que levara
tanto
sofrimento
àquela
família,
era uma
ameaça
constante.
A cidade,
em que
pese a
beleza da
paisagem,
não
desfrutava
de condições
de
higiene; a
atmosfera,
em vários
sítios,
era
dominada
pelo
cheiro fétido,
oriundo
das águas
estagnadas
e dos
dejetos,
jogados
diariamente
na praia
pelos
escravos.
Sarampo,
varíola,
peste bubônica,
vez por
outra
assustavam
e
dizimavam.
Por isso,
qualquer
febre mais
alta era
um susto
para
familiares
e amigos.
Mesmo
porque a média
de vida
era muito
baixa e
muita
criança
morria
logo nos
primeiros
anos. Na
maioria
dos casos,
apesar dos
esforços
dos médicos
abnegados,
a solução
era,
literalmente,
buscar em
Deus o
caminho da
salvação.
Papai
tinha
orgulho de
participar
dessa
cerimônia
solidária.
Imagine-se
o que
sentiu
naquele
dia. Os
personagens
centrais são
apenas
similares:
a Capitu
recriada
é quase
indissimulada,
quase
transparente,
profunda,
está
longe de
ser a mera
referência
do
discurso
do
ex-marido,
ainda que
sem perder
a sua
condição
de enigma,
na medida
em que o núcleo
deflagrador
do
conflito básico
da trama
permanece
na zona de
sombra; o
bentinho
do segundo
romance é
distinto
do
Bentinho
do
primeiro,
no
desmascaramento
levado a
termo por
Capitu. Os
demais
participantes
mantém-se
fiéis ao
texto
machadiano,
mas a óptica
da
narradora
é
obviamente
diferente.
É ver,
por
exemplo, o
início do
capítulo
VII:
“Bentinho
vivia
repetindo
que sua mãe
era boa
criatura.
Não era
bem assim.
D. Glória,
apesar da
aparente
mansidão
e da
emotividade,
era uma
matriarca
autoritária
e
dominadora”.
Obviamente,
o estilo
de Capitu
é
totalmente
distinto
do estilo
do Dr.
Bento.
Embora
assuma
alguns
procedimentos,
como o da
técnica
da insinuação
insidiosa,
seu
discurso
é
assumidamente
mais
despojado.
Usa com
mais
parcimônia
os
recursos
da ironia
e do
humor, o
apelo à
participação
e à
cumplicidade
do leitor,
marcas
fortes do
texto
machadiano.
A retomada
de certas
falas, sob
a forma de
transcrição
ou de paráfrase
se fez
necessária,
como forma
de
garantir
fidelidade
ao
texto-origem;
o emprego
de outra
solução
ampliaria
o risco de
desfigura-lo,
e poderia
marcar um
conflito
com o
estilo
inimitável
do mestre.
Ressalte-se
que todas
as
transcrições
são
objeto de
comentário
da
narradora;
por trás
deles,
evidentemente
está a
perspectiva
crítica
do autor
do novo
romance.
Exercita a
metalinguagem,
para
assinalar
ainda mais
o
distanciamento,
uma vez
que sua
narrativa
parte de
outro
texto, com
o qual
dialoga.
Abriga-se
nele,
sub-reptício,
o muito da
visão crítica
do autor,
acentuada
a
insegurança
da
personagem
garantidora
da necessária
ambigüidade.
Vale-se,
como o seu
ex-marido,
da
linguagem
coloquial,
e, com
menos freqüência,
da
linguagem
figurada.
Afinal,
mesmo com
as
leituras
que
marcaram o
seu
percurso
existencial,
ela não
tem curso
superior.
Vale-se do
uso culto
do idioma,
mas com
concessões
a palavras
e expressões
do uso
cotidiano
descontraído,
próprias
do
coloquialismo
da
linguagem
familiar.
E nisso
segue na
esteira do
narrador
primeiro.
Quase
nunca
hiperboliza.
E não
usa,
declaradamente,
o apoio no
capote
axiomático
ou na citação
abonadora.
Nem provérbios
populares.
É claro
que o seu
texto
acaba,
como o do
ex-marido,
convertendo-se,
ainda que
em menor
escala,
numa
figuração
alegórica
múltipla
que
abarca,
entre
outros
aspectos,
a alegoria
do vazio
da existência,
a alegoria
da derrota
existencial
do ser
humano, a
alegoria
das relações
de classe
no Brasil
do Segundo
Reinado.
Em síntese,
tudo o que
é
assumido
por Capitu
está no
romance
machadiano,
no silêncio
do texto
do
romance.
Minha função
foi apenas
iluminar
esses espaços.
E sob esta
luz,
Capitu,
sendo a
mesma, é
outra. O
seu
discurso
é como a
casa do
Engenho
Novo, em
relação
a de
Matacavalos:
se o rosto
é igual,
a
fisionomia
é
diferente.
E o meu
texto só
pode ser
escrito
por força
da
universidade
e da
multissignificação
que marcam
a ficção
do gênio
que foi
Machado de
Assis.
Quanto ao
resto... o
resto é
literatura.”
Após a
palestra,
o
Presidente
fez
algumas
referências
sobre a
obra de
Machado de
Assis,
tendo
agradecido
a
participação
brilhante
do Prof.
Domício.
Como não
houvesse
mais nada
a tratar,
o Prof.
Leodegário
deu por
encerada a
sessão.
Para
constar,
lavrei a
presentre
ata que
vai
assinada
pelo
Presidente
e por,
Manoel
Pinto
Ribeiro,
Segundo
Secretário.
NOTAS
DA EXPOSIÇÃO
DO PROF.
DOMÍCIO
PROENÇA
FILHO
[1]
KRISTEVA,
Julia. Le
mot, lê
dialogue
et lê
roman. In:
Semeiotiké;
recherches
pour une sémanalyse.
Paris,
Seuil,
1969,
p.144:
“Lê”
mot littéraire”
n’est
pas un point
( un sens
fixe),
mais un croisement
de
surfaces
textuelles,
un
dialogue
de
plusieurs
écritures:
de l’écrivain,
du
destinataire
(ou du
personnage),
du
contexte
actuel ou
antérieur”.
[1]
KRISTEVA,
Julia. Le
mot dans
l’espace
de textes.
In:
op. Cit.,
p.145.
[1]
Id.
Ib.
[1]
CI.
KRISTEVA,
Julia, op.
Cit.
P.149.
[1]
MACHADO DE
ASSIS. Dom
Casmurro.
Rio de
Janeiro,
Instituto
Nacional
do Livro.
Comissão
Machado de
Assis,
1969. P.
[1]
CI GOMES,
Eugênio. O
enigma de
Capitu.
Rio de
Janeiro,
J.
Olympio,
1967. P.166-67
[1]
Id.
Ib. p.
[1]GRAÇA
ARANHA.
Cartas de
Graça
Aranha a
Machado de
Assis. In:
Revista
Brasileira.
Fasc
VII, jul
– ago
– set de
1995. Ano
I, n 4,
Rio de
Janeiro:
Academia
Brasileira
de Letras.
[1]
Cf.
PEREIRA,
Rubens
Alves. Dom
Casmurro pré
e pós.
Dois quase
casos de
polícia e
de políticas.
In:
Estudos da
linguagem:
Atualidade
e
paradoxos.
Anais do
VII
Congresso
da
ASSEL-RIO.
Rio:
Associação
de Estudos
da
Linguagem
do Estado
do Rio de
Janeiro,
1997. p
532-539.
[1]
Cf.
MONTELLO,
Josué. As
liberdades
de Graça
Aranha.
In: O
presidente
Machado de
Assis.
São
Paulo,
Martins,
1961, p.
290-314.
[1]Cf.
STEIN, I. Figuras
femininas
em Machado
de Assis. Rio
de
Janeiro,
Paz e
Terra,
1984.
[1]
SCHWARZ,
Roberto.
Duas
meninas.
São
Paulo,
Cia. Das
Letras,
1997. p.
27.
|