Principal

Voltar

 

ATA DA REUNIÃO ORDINÁRIA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA DO DIA 28 DE ABRIL DE 2001

 

Às quinze horas e vinte minutos do dia vinte e oito de abril do ano dois mil e um, no RAV 112 da UERJ (Rua São Francisco Xavier, 524, 11º andar, bloco F), iniciou-se a Reunião Ordinária da Academia Brasileira de Filologia, estando presentes os acadêmicos Agenor Ribeiro, Antônio Martins de Araújo, Antônio Nunes Malveira, Claudio Cezar Henriques, Evanildo Bechara, Gilberto Mendonça Teles, Gladstone Chaves de Mello, Hilma Ranauro, Horácio Rolim de Freitas, José Pereira da Silva, Leodegário A. de Azevedo Filho, Luiz César Saraiva Feijó, Manoel Pinto Ribeiro, Maximiano de Carvalho e Silva, Ricardo Cavaliere e Walmírio Macedo e mais quinze pessoas, cujos nomes estão relacionados no Livro de Registro de Presenças da Academia Brasileira de Filologia. Os Acadêmicos Adriano da Gama Kury, Castelar de Carvalho, Domício Proença Filho, Maria Emília Barcellos da Silva, Marina Machado Rodrigues e Rosalvo do Vale justificaram suas faltas. Ao iniciar a Reunião, o Senhor Presidente mandou ler as atas das reuniões anteriores que ainda não tinham sido ainda aprovadas, o que foi feito coletivamente, distribuindo-se cópias a todos os presentes e fazendo-se as retificações necessárias. Da discussão das atas surgiu a proposta do Acadêmico Maximiano de Carvalho e Silva de se estabelecerem “normas escritas para admissão de sócios correspondentes” com a maior brevidade possível, o que foi acatado, ficando o mesmo Acadêmico nomeado pelo Senhor Presidente para apresentar na próxima reunião uma minuta ou anteprojeto das referidas normas. A seguir, o Senhor Presidente mandou que o Secretário informasse sobre as correspondências recebidas, que foram dos sócios correspondentes Elvo Clemente, Silvio Castro e Joseph Ildefonso de Araújo. Neste momento, o Acadêmico Antônio Martins de Araújo entregou uma correspondência que estava em seu poder, com a solicitação de inscrição de Leonor Lopes Fávero como candidata a sócia correspondente, apresentada, respectivamente, pelo mesmo e pela Acadêmica Hilma Ranauro. A seguir, pediu a palavra o Vice-Presidente, Acadêmico Evanildo Bechara, que encaminhou proposta de imediata aceitação da candidata, o que foi feito por aclamação, sem qualquer restrição. Ainda na seção de “apresentação das correspondências recebidas”, o Senhor Presidente leu o Convite de Casamento que o Prof. Dr. Afrânio da Silva Garcia enviou a toda a Academia Brasileira de Filologia. A seguir, foram lidas as informações sobre o SEMINÁRIO SUPERIOR DE LÍNGUA PORTUGUESA, que ocorrerá na Universidade Estácio de Sá, oferecido por diversos membros da Academia Brasileira de Filologia e sobre o Curso ASPECTOS FORMADORES DA CULTURA BRASILEIRA, que será oferecido pela Academia Carioca de Letras. Por concessão especial do Senhor Presidente, a Acadêmica Hilma Ranauro apresentou à plenária a discussão sobre a necessidade e conveniência da participação da Academia Brasileira de Filologia nos debates sobre a língua portuguesa que se travam em certos canais de televisão. Houve intervenções dos acadêmicos Luiz César Saraiva Feijó, Maximiano de Carvalho e Silva, Antônio Martins de Araújo, Walmírio Eronides de Macedo, Leodegário A. de Azevedo Filho, Evanildo Bechara e Claudio Cezar Henriques. Como o tema é polêmico, estendeu-se por mais tempo do que o imaginado, levando o Senhor Presidente a propor alguma redução na pauta do dia, ficando acertado apenas a transferência para a próxima reunião da apresentação do “Parecer do Acadêmico José Pereira da Silva sobre as candidaturas do Prof. Dr. João Bortolanza (MS) e do Prof. Dr. Manoel Mourivaldo Santiago Almeida (MT) a sócios correspondentes da Academia Brasileira de Filologia”. Terminada a sessão acadêmico-administrativa, o Senhor Presidente convidou os oradores a se pronunciarem, propondo que todas as intervenções fossem anotadas para serem feitas ao final da sessão. Pela ordem, falou o Acadêmico Horácio França Rolim de Freitas, proferindo um discurso de homenagem a Carolina Michaëlis de Vasconcelos como parte da comemoração do sesquicentenário de seu nascimento. Em segundo lugar, falou o Acadêmico Maximiano de Carvalho e Silva em homenagem a Humberto Galiano de Melo Nóbrega, segundo ocupante da Cadeira número um da Academia Brasileira de Filologia, na passagem do centenário de seu nascimento. Por fim, conferencista convidado, Prof. Dr. Antônio Sérgio Mendonça, titular da UERJ, falou sobre “Linguagem e Psicanálise”, em comemoração do centenário de nascimento de Jacques Lacan. Aberta a sessão de debates pelo Senhor Presidente, o Segundo Secretário pediu a palavra para reforçar o pedido a todos os acadêmicos que, proferindo qualquer palestra ou conferência programada nesta Academia, entreguem o texto digitado em disquete ou o enviem para o seu endereço eletrônico. Houve algumas pequenas intervenções, visto que o tempo urgia, e o Senhor Presidente declarou encerrada a reunião às dezoito horas, sem abrir espaço para assuntos gerais. E eu, José Pereira da Silva, Segundo Secretário, lavrei a presente ata que vai assinada por mim e pelo Senhor Presidente.

 

ANEXO 1

 

PALESTRA NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA

Professor Horácio França Rolim de Freitas

 

Homenagem pelo transcurso do sesquicentenário de nascimento de D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851 - 2001)

 

Nascida em 15 de março de 1851, em Berlim, foi casada com o crítico de arte Joaquim de Vasconcelos.

Aos dezesseis anos, publicou, em alemão, a obra A Fonética e Notas Gramaticais a Respeito da Redação Espanhola da Lenda de Crescência.

Em 1911, foi nomeada Professora de Filologia Germânica da Faculdade de Letras de Lisboa. Posteriormente, transferiu-se para Coimbra, onde regeu a cadeira de Filologia Românica.

Em 1876, com apenas vinte e cinco anos, publica (Studien zur romanischen Wortschöpfung) Estudo sobre a origem das palavras românicas, também em alemão. Aí revela conhecimentos profundos, abordagem científica e critério seguro. É uma das primeiras a não aceitar as modificações lingüísticas como decadência, como se pode comprovar por sua afirmação: “No sentido geral pode dizer-se que cada modificação de uma língua é uma evolução progressiva”. Ainda nessa obra de iniciante, Carolina trata da formação de palavras no Espanhol e no Português com base na contribuição da linguagem familiar e na evolução dos dialetos. É importante destacar-se o estudo que faz das formas divergentes no Espanhol para explicar o aumento do vocabulário. Não foi inovadora nesse estudo, mas, no dizer de Meyer-Lübke, superou seus predecessores: Brachet, com o Dictionnaire des Doublets, e Adolfo Coelho com Formes Divergentes des Mots, não só pela recolha de material, muito mais abundante, como pela crítica feita ao trabalho de Brachet.

Destacam-se-lhe como virtudes indispensáveis ao filólogo: o conhecimento preciso das formas do vocabulário antigo; a aguda penetração nas alterações semânticas; o domínio completo das evoluções fônicas e o suficiente conhecimento de outras línguas românicas.

Sua veia filológica aliada à modéstia dos verdadeiros cientistas não a levaram a pretender brilhar com hipóteses ousadas. Ao contrário, seu profundo senso científico e sua intuição etimológica faziam-na defender com segurança a opinião que esposara, como ocorreu em seu trabalho sobre o infinitivo flexionado português,com cujas conclusões o grande Schuchardt não concordava. Diz-nos ainda Meyer-Lübke: “Carolina com notabilíssima elegância defendeu sua opinião”.

Com igual desempenho, fez estudos sobre Sá de Miranda, Gil Vicente, Camões e trovadores medievais.

Quero crer que a segurança e a notoriedade da obra de D. Carolina Michaëlis se devam tanto ao profundo domínio da Filologia, quanto por trilhar o Culturalismo, ao já perscrutar, na época, a sociedade e as condições de vida em que cada obra tinha sido realizada.

De seu labor filológico advieram outras obras, dentre as quais destacamos:

Obras de Cristóvão Falcão (edição crítica), 1894; Uma passagem escura do Crisfal, 1895; Anthero e a Alemanha, 1896; Uma obra inédita do Condestável D. Pedro de Portugal (homenagem a Menéndez y Pelayo), 1899; Cancioneiro da Ajuda (edição crítica e comentada: texto com resumos em alemão), 1904; Cancioneiro Gallego-Castelhano, 1903; Contribuição para o futuro dicionário etimológico das línguas hispânicas, 1908; Estudos Camonianos II, 1924; Miscelânea Etimológica (homenagem a Menéndez Pidal), 1925 e Pedro, Inês e as Fontes dos Amores, também de 1925, ano da sua morte.

Merece destaque a edição crítica e comentada com esquemas métricos que fez do Cancioneiro da Ajuda, em 1904, com mil e uma páginas.

Em 1920, completou esse trabalho com o Glossário.

Explicou a douta filóloga, em Prefácio de 1922, só tê-lo publicado dezoito anos depois do texto do Cancioneiro por ter considerado fria a acolhida da obra pelo público. Já o IIº volume com as Investigações Bibliográficas, Biográficas e Histórico-Literárias agradara plenamente.

Carolina ressalta o interesse por sua obra que tiveram dois grandes mestres lusos: Dr. Leite de Vasconcelos e Dr. José Joaquim Nunes, pela utilização de seus resultados e por lhe cobrarem, insistentemente, a publicação do Glossário.

Declara ainda a eminente filóloga que esperara algum tempo pelo “veredictum” de investigação estrangeira a fim de melhorá-la. Mereceu observações de Oskar Nobiling e de Henry Lang. Deles aproveitou as sugestões, emendando, assim, os textos de 310 Cantigas.

No referido Glossário, incluiu todas as palavras e todas as locuções empregadas pelos 55 autores das 467 composições, sendo, segundo suas próprias palavras: “assaz rico e variado e interessante para os Romanistas”. E conclui: “Quanto às minhas explicações etimológicas, espero que colherão aplausos”.

Como ilustração, comentaremos alguns verbetes do Glossário:

melhor : comparativo supletivo de bom.

Chamo a atenção para o termo supletivo, usado por D. Carolina, em substituição ao termo irregular. O conceito de supletivismo é de uso na Lingüística moderna por renomados autores, como : Ulmann, Mathews, Bloch-Trager, Simon Potter. Também o Prof. Evanildo Bechara, na 1ª edição de sua Moderna Gramática Portuguesa, já trata da suplementação nos elementos mórficos.

filhar (significado de roubar) tira de pilhar e explica: “mais em harmonia com os fatos apurados de semasiologia”.

É sabido que pilhar, influenciado pelo sentido de furtar, alterou a forma para filhar. “Filharam-no os genros”, exemplo da lenda do rei Leir, texto do século XIV.

loar : tira de lodare por laudare. Realmente, provém de lodare, forma dialetal de influência úmbrica, onde o ditongo au se monotongava, como ocorreu, também, com odire (audire), popere (paupere), godire (gaudere) etc.

outrén : (pronome indefinido) tira de outro + em , calcado em alguém, ninguém. Diz-nos D. Carolina que no C. A. rima com ren, ten, sen, ben.

Obs.: A mudança da tônica para outrem, segundo Mattoso Câmara, se deve ao nivelamento da pausa prosódica por influência de outro.

minha : de mĩa por mia e mea: “forma moderna do pronome possessivo. No C. A., só há dois exemplos que antecipam o uso moderno”. (Cf. “pois minha senhor me manda”).

pobre : (*popere por paupere) D. Carolina demonstra conhecer bem o latim corrente. Outra forma dialetal de influência úmbrica, como nos ensina o Prof. Sívio Elia na obra Os Elementos Osco-Umbros no Vocabulário Latino. É dela a explicação para a mudança de timbre de pobre (/ô/) para pobre (/ó/): influência de nobre ( > nŏbile), lição que mais tarde Serafim da Silva Neto endossaria.

Outra obra digna de destaque são as Lições de Filologia Portuguesa. Cada capítulo demonstra a erudição e a segurança da admirada filóloga.

Na apresentação de textos, enriquece-os com seus comentários filológicos, como em Juramento de Estrasburgo, do século IX, o primeiro texto em língua românica; Cancioneiro Geral; Lei de Partilhas; Cancioneiro da Ajuda; Cancioneiro da Vaticana e Cancioneiro de Colocci-Brancuti

No capítulo Formação do Léxico é abundante a exemplificação dos arabismos.

Ao abordar o termo filologia, explica-o em relação com a Filosofia e com a Lingüística em quase vinte páginas.

Ao comentar as fontes para o estudo do latim corrente, cita não só os gramáticos romanos, mas também vários outros textos, inclusive a Peregrinatio e o Appendix Probi, deste chamando a atenção para a palavra veclus (por vetulus), fonte que explica as várias formas nas línguas românicas.

Exemplifica termos da linguagem falada popular encontrados em documentos, como: auricula, ovicula, apicula e coratione, dentre outros.

Lembra ter sido a voz depoente substituída pela voz ativa, ilustrando com sequi, pati e mori, que deram lugar a sequere, patire e morire.

Já aponta exemplos em Plauto de formas populares que vingaram no latim corrente: ad matrem pelo dativo matri; de matre pelo genitivo matris .

Explica a sigla popular XPTO, para indicar “excelência de alguma coisa”, que, na realidade, é abreviatura de Kristós, do grego, através das letras Khi-Rô-Tau e Ômicron ou apenas XPO, “consagrado, ungido”.

Ao referir-se aos dialetos crioulos, destaca a obra da Academia de Ciências de Viena: Kreolische Studien, da qual se valeu Schuchardt para seus estudos sobre o assunto. A eminente filóloga, ao mencionar o Brasil, adverte : “Mas só e exclusivamente dialetos verdadeiramente crioulos. Os falares do Brasil estão excluídos, judiciosamente”.

A propósito da palavra crioulo, não só explica a origem, provinda do verbo criar, como a forma criollo no espanhol, formada, segundo D. Carolina, possivelmente por analogia com pimpollo, este, termo composto de pini + pullus. Realmente, Corominas o confirma: pino, pinho, madeira, nome de árvore + pullus > pollo: animal ou vegetal jovem. Daí as significações: ao pé da árvore, madeira nova, cria de um animal qualquer. (Em Latim, como adjetivo, significa pequenino. Cf. Plauto)

Não deixa de fazer alusão às influências etruscas, oscas e úmbricas na linguagem familiar do Latim.

Cedo, no umbro, os ditongos ae e au monotongaram-se respectivamente em /ê/ e /ô/. Já Varrão explicava que: “In rure Latio edus, qui in urbe aedus”.

Essa pronúncia campesina e dialetal do úmbrio, do falisco e do prenestino foi ironizada por Lucílio na frase: “Cecilius pretor ne rusticus fit”.( O pretor Cecílio, apesar de Cecilius e pretor com e, não se torna rústico).

A mesma alteração se deu no ditongo au pronunciado /ô/ : ao tauru do latim correspondia o toru no úmbrio.

Tenho para mim que, dentre a plêiade de filólogos portugueses, três nomes se destacam, tanto pelo valor quanto pelas obras de importância inexcedível: José Leite de Vasconcelos, Carolina Michaëlis de Vasconcelos e José Joaquim Nunes.

Muito se teria a dizer sobre a obra de D. Carolina, que este espaço de tempo não comportaria.

Humildemente, deixo aqui a nossa homenagem a essa figura admirável de mulher nas Letras, fazendo minhas as palavras de Serafim da Silva Neto: “Era precisa outra pena, bem mais sensível e sabedora do que esta que traçou o perfil filológico de Carolina Michaëlis de Vasconcelos”.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ELIA, Sílvio E. Os Elementos Osco-Umbros no Vocabulário Latino (tese de concurso). Rio de Janeiro, 1950.

MEYER-LUBKE, W. Prefácio do Glossário. In: VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de. Glossário do Cancioneiro da Ajuda. Rio de Janeiro : Lucerna, 1990.

VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de. Lições de Filologia Portuguesa. Lisboa : Edição Revista de Portugal, 1946.

-------. Glossário do Cancioneiro da Ajuda. Rio de Janeiro : Lucerna, 1990.

MOLDENHAUER, Gerhard. Bibliografia de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. In : Revista Confluência, nº 16. Rio de Janeiro : Liceu Literário Português, 1998.

SILVA NETO, Serafim da. Manual de Filologia Portuguesa. Rio de Janeiro : Livraria Acadêmica, Rio, 1957.

-------. A Formação do Latim Corrente. Petrópolis : Vozes, 1941.

Copyright ABF Academia Brasileira de Filologia - Todos direitos reservados                                           Desenvolvido por: