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ATA DA POSSE DA ACADÊMICA TEREZINHA MARIA DA FONSECA PASSOS BITTENCOURT, EM 05/12/2002, NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA.

Aos cinco dias do mês de dezembro do ano dois mil e dois, no Campus do Gragoatá da Universidade Federal Fluminense, Av. Visconde do Rio Branco, s/nº, Bloco C do Instituto de Letras, Auditório Ismael Coutinho, às dezoito horas, realizou-se a cerimônia de posse da acadêmica Terezinha Maria da Fonseca Passos Bittencourt, cadeira número 17, patrono Ramiz Galvão. Aberta a sessão pelo Sr. Presidente, Prof. Dr. Leodegário Amarante de Azevedo Filho, verificou-se a presença dos acadêmicos Amós Coêlho da Silva, Carlos Eduardo Falcão Uchoa, Antônio Martins de Araújo, Ricardo Stavola Cavaliere, Hilma Pereira Ranauro, Maximiano de Carvalho e Silva e Rosalvo do Valle. Também compareceram o Magnífico Reitor, Prof. Cícero Mauro Filho Rodrigues, o Diretor do Centro de Estudo Gerais, Prof. Humberto Fernandes Machado, a Diretora do Instituto de Letras, Profa.Nélia Bastos, o Chefe de Departamento de Ciências da Linguagem, Profa.Mariluci Novaes e a Coordenadora do Curso de Graduação em Letras, Profa. Marlene Gomes Mendes. O Presidente, a seguir, constituiu a mesa para a cerimônia: Amós Coêlho da Silva, a Diretora do Instituto de Letras, Profa. Nélia Bastos e os Professores Terezinha Maria da Fonseca Passos Bittencourt e Carlos Eduardo Falcão Uchoa. O acadêmico Carlos Eduardo Falcão Uchoa fez a saudação da Profa. Terezinha Maria da Fonseca Passos Bittencourt com o seguinte discurso: “Tenho manifestado ultimamente, nesta fase da vida em que me sobressaem os cabelos rarefeitos e a barba encanecida, o quanto a vida acadêmica me proporcionou de realizações e emoções plenas, como nesta noite festiva em que me coube a alegria de proferir, em nome dos meus pares da Academia Brasileira de Filologia, este discurso de recepção à sua nova integrante, a minha amiga e colega de Universidade ProfªTerezinha Maria da Fonseca Passos Bittencourt, que ocupará a Cadeira nº17, aberta com o falecimento do Prof.Gladstone Chaves de Melo. Para maior felicidade minha, ocorre esta solenidade na Universidade Federal Fluminense, meu espaço acadêmico, e na sala Ismael Coutinho, conceituado filólogo e nome dos mais importantes na criação da UFF, ocupante inicial da cadeira nº 15 da Academia.

O Prof. Gladstone foi meu professor no Curso de Mestrado, nos anos 70, mas com ele já convivia alguns anos aqui na Universidade Federal Fluminense, até mesmo antes, através da leitura, muito importante para mim na época, de algumas de suas obras, aspirante que era a uma vaga do Curso de Letras Clássicas da então e nunca esquecida Faculdade Nacional de Filosofia. A Profª Terezinha, viria a encontrá-la (encontrar, eis o verbo) como aluna do Curso de Mestrado na UFF, no final da década de 80. Integrei a banca que argüiu a sua dissertação final, As unidades sígnicas e os processos sintagmáticos da língua portuguesa, orientada pelo Prof. Luiz Martins Monteiro de Barros, apreendendo logo a sua inequívoca intuição para os estudos lingüísticos. Aberta, quase de imediato, uma vaga para professor substituto de Lingüística, indiquei o seu nome ao Setor para contratá-la. Pouco tempo depois, ela ingressava no quadro permanente da Universidade, com a aprovação no concurso público para professor assistente de Lingüística. Laços profissionais e afetivos me prendem, pois, ao Prof. Gladstone e à Profª Terezinha.

Julgo, com a isenção que me é possível, que os meus confrades desta quase sexuagenária Academia souberam escolher bem quem teria a difícil missão de suceder um nome do prestígio e do valor intelectual do Prof. Gladstone Chaves de Melo.

Não obstante o separarem muitos anos, com notórias divergências no campo ideológico e no próprio campo do estudo lingüístico, vejo também, e claramente, convergências de inestimável peso entre o Prof. Gladstone e a Profª Terezinha: a seriedade profissional, a competência acadêmica nos seus objetos de estudo – afinal, valor que deve preponderar no espaço acadêmico - , a defesa intransigente e mesmo contundente de suas convicções, a dedicação extremada aos alunos e o amor devotado por ambos à Universidade Federal Fluminense. Se é verdade que o Prof. Gladstone pertenceu também ao corpo docente da Faculdade Nacional de Filosofia, onde foi assistente do grande mestre Prof. Sousa da Silveira, e a seguir da Universidade Federal do Rio de Janeiro, posso afiançar, com todos os que o conheceram de mais perto, que o seu coração sempre pendeu para a Universidade Federal Fluminense; esta foi sua casa universitária, onde alcançou a condição de Professor Titular. Mas há um dado a acrescentar, e fundamental, quando se reflete na sucessão do Prof. Gladstone pela Profª Terezinha: esta foi sua aluna, em dois cursos, no Mestrado da UFF, dele guardando – há muitos anos me confidencia isso – a figura do professor modelar, com quem mantinha relacionamento dos mais afáveis.

A Profª Terezinha Bittencourt, com pouco tempo de atuação, se firmou no conceito de seus alunos e colegas da UFF. A carreira universitária atual, mais ávida de títulos do que do saber, exigia-lhe, com o passar dos anos 90, o doutoramento. Embora viesse cada vez mais, desde o Mestrado, ampliando e amadurecendo o seu conhecimento sobre a teoria lingüística do notável lingüista romeno Eugenio Coseriu, recentemente, para pesar nosso, falecido, não encontrou a Profª Terezinha no Brasil - o Doutorado em Estudos Lingüísticos da UFF ainda não existia – um curso que contasse com um orientador que com ela dialogasse sobre um plano de pesquisa a ser desenvolvido na perspectiva funcionalista de Coseriu. Aparecida a oportunidade de um doutorado na Universidade de São Paulo, na linha da análise do discurso greimasiana, para lá se deslocou a nossa novel acadêmica, com bolsa de estudo da CAPES, para tornar-se após quatro anos, cumprindo rigorosamente o prazo estipulado pelo órgão governamental, doutora em Letras (Semiótica e Lingüística Geral), tendo sido orientanda da Profª Diana Luz Pessoa de Barros. Durante este tempo, a Profª Terezinha Bittencourt dedicou-se a fundo ao estudo de um novo objeto teórico para ela no campo lingüístico. Fez cursos com a Profª Diana de Barros e com o Prof. José Luiz Fiorin, certamente os dois maiores divulgadores do pensamento de Greimas entre nós. Foi aprovada por ambos com o maior conceito, além de ver aprovada também a sua tese Jornalismo de transgressão: análise do discurso d’O Pasquim / 1970. Mas em sua tese, a presença de mestre Coseriu se faz claramente presente em vários pontos, não se deixando assim aprisionar, com sua visão crítica rigorosa, pelas inconsistências teóricas e pelas incompletudes desta corrente lingüística, mesmo porque nenhuma pode alimentar a pretensão particularmente de ser cabal, ainda que se atendo a um plano (no caso o discurso) do fenômeno lingüístico.

Traduzindo o seu grande pendor para os estudos de teoria lingüística e de história das idéias lingüísticas, vem a Profª Terezinha Bittencourt publicando vários artigos de inegável valor nestes campos, entre os quais ressaltamos “Da unicidade do sistema à heterogeneidade do discurso” e “Evolução e influência do pensamento grego sobre classificação de palavras”, escritos em co-autoria com o Prof. Luiz Martins Monteiro de Barros e publicados ambos nos Cadernos de Letras da UFF. O equilíbrio entre tradição e inovação é outra marca do pensamento lingüístico da nova acadêmica, como o fora do seu grande ideólogo Eugenio Coseriu. Assim, relê sempre Saussure, revisita Bloomfield, estuda Hjelmslev, Pagliaro, Herculano de Carvalho, Chomsky..., sem nunca esquecer Aristóteles, claro, coseriana que é.

Senhores Acadêmicos: fundada em agosto de 1944, a Academia Brasileira de Filologia adentra o século XXI tomada também pelo entusiasmo e pela esperança de manter viva e renovada uma instituição criada e constituída por uma plêiade de nomes que marcaram o século passado com as suas contribuições, algumas notáveis, no campo de estudo da linguagem.

O termo filologia continuará a ser tomado com o sentido amplo como na época de fundação da Academia. Portanto, a nossa instituição deve continuar aberta a todos os que vêm se dedicando ao estudo da nossa língua, sejam eles críticos textuais, gramáticos ou lingüistas das mais diversas orientações. É importante que a nossa Academia acolha estudiosos de valor destes mais diversos campos, para que ela possa manifestar-se sempre com autoridade sobre as múltiplas e polifacetadas áreas em que a nossa língua é objeto material ou formal de estudo.

Vejo, assim, como dos mais oportunos o ingresso da Profª Terezinha Bittencourt nesta Academia. Sua fundamentação segura em teoria lingüística e o seu conhecimento consistente da história das idéias lingüísticas lhe asseguram, por justiça e merecimento, um papel importante entre seus pares. Termino esta saudação, Profª Terezinha Bittencourt, valendo-me das palavras finais com que o Prof. Serafim da Silva Neto saudou o Prof. Gladstone Chaves de Melo, em 1951, quando do seu ingresso na Academia, mudada apenas a pessoa verbal, por preferir forma mais usual da língua de nossos dias. Profª Terezinha Bittencourt: tem direito a um lugar nesta Academia Brasileira de Filologia. Seja benvinda, pois.”

Após as palavras do Prof. Carlos Eduardo Uchoa, a Profa. Terezinha Bittencourt prestou juramento acadêmico em latim. Em seguida, seu esposo Dr. Célio Gomes Bittencourt entregou-lhe a medalha; o capelo foi recebido da Jornalista Maria da Glória Chaves de Melo, filha do Prof. Gladstone Cheves de Melo, cujo falecimento abriu a vacância desta cadeira número 17; tendo recebido, finalmente, o diploma do Prof. Luiz Martins Monteiro de Barros, Prof. Adjunto de Lingüística da UFF. Em seguida, a Profa. Terezinha Bittencourt proferiu o seguinte discurso: “Estimulada pelo professor Carlos Eduardo Falcão Uchôa, amigo queridíssimo e meu colega no Departamento de Ciências da Linguagem, na Universidade Federal Fluminense, a concorrer à cadeira nº 17, da Academia Brasileira de Filologia, cujo patrono é Franklin Ramiz Galvão, e que ficou vaga com o falecimento do professor Gladstone Chaves de Melo, confesso que fiquei surpresa, pois nunca tive a ousadia de sonhar tão alto. E, nesse caso, sonhar duplamente alto, uma vez que se tratava, por um lado, de fazer parte de uma instituição cujo prestígio no seio da comunidade científica é incontestável por congregar, desde o seu nascimento, em agosto de 1944, os nomes mais significativos da área de Letras e, por outro, de preencher o espaço antes ocupado por um estudioso admirado e reconhecido por suas contribuições às mais diferentes áreas do saber e considerado por todos como referência imprescindível nos estudos de linguagem. Acresce ainda o fato de eu ter tido a honra de ser sua aluna em duas disciplinas no curso de Mestrado, realizado nesta instituição e ainda ter ouvido em minha casa, por parte de meus pais e de meus tios, toda sorte de referências elogiosas a seu nome desde a minha adolescência, pois que, em virtude da amizade que ligava sua filha, Maria da Glória, a nossa querida Gogóia, no início apenas à minha irmã e com o passar do tempo a todos nós, sua pessoa já possuía a figura fortemente desenhada em minha cabeça. Àquela época em que Glória passou a freqüentar nossa casa – já lá se vão mais de trinta anos –, eu era muito nova, estava concluindo o antigo ginasial e não fazia parte das minhas preocupações a carreira que seguiria no futuro, que me parecia tão distante, de modo que não podia imaginar que o pai da querida amiga, aquele de quem meus pais falavam com tanta admiração, muito tempo depois entraria em minha vida de maneira definitiva, como o professor inesquecível, como o mestre exemplar e como o educador inconfundível. E se não podia nem de longe imaginar que um dia nossos caminhos se cruzariam graças, justamente, à Universidade Federal Fluminense, muito menos poderia prever, ou melhor, me atrever a sonhar com dar continuidade ao trabalho por ele realizado na Academia Brasileira de Filologia.

A primeira vez que conheci pessoalmente o Professor Gladstone Chaves de Melo a impressão que tive não foi diferente daquela relatada por outros alunos: pessoa muito educada, reservada, sem muitos sorrisos e que guardava certa distância de todos que dele se aproximavam. De certo modo, lembrou-me minha falecida mãe cujo comportamento, nesse aspecto, em tudo se assemelhava ao seu e, talvez por isso mesmo, de imediato simpatizei com ele, pois percebi que por trás daquela muralha que o resguardava, havia um homem muito especial. Minha intuição não falhou. Foi uma das pessoas mais marcantes que tive a oportunidade de conhecer em toda a minha vida: sua coerência na forma de pensar e agir, sua ética presente nos atos mais singelos, sua integridade moral permanente, sua tolerância para ouvir e discutir idéias diferentes das suas, sua sabedoria posta sempre a serviço de quantos o procurassem, tantas qualidades reunidas num único indivíduo me fez ver que estava, realmente, diante de um grande ser humano, daqueles que deixam o seu traço inscrito de modo irreversível em nossa mente, em nosso coração, em nossa alma.

Querido e saudoso Professor Gladstone. Como me lembram, sobretudo nesses últimos anos em que a vida universitária sofreu uma drástica mudança, e para pior, é mister dizer, como me lembram suas lições de honestidade profissional, de defesa dos seus ideais, de generosidade para com o próximo, de humildade diante do saber. Lendo dia desses Hugo de São Vítor, imediatamente me veio sua imagem, quando o filósofo, a propósito da humildade, assim recomenda: O começo da disciplina moral é a humildade, da qual existem muitos ensinamentos, três dos quais interessam mais ao estudante: primeiro, não reputar de pouco valor nenhuma ciência e nenhum escrito; segundo, não ter vergonha de aprender de qualquer um; terceiro, não desprezar os outros depois de ter alcançado o saber. Muitos ficam decepcionados porque querem aparecer sábios antes do tempo. Por esta razão, explodem numa intumescência de arrogância, começam a fingir aquilo que não são e a envergonhar-se daquilo que são, e tanto mais se afastam da Sabedoria quanto mais se preocupam não em serem sábios, mas em serem considerados tais.

Esse texto do estudioso medieval lembrou-me o meu saudosíssimo mestre porque, entre as muitas características de sua personalidade, uma das que sobremaneira me impressionava era a sua humildade: tanto conhecimento adquirido pacientemente em toda uma vida dedicada ao saber e tanta modéstia, tanta discrição, tanta simplicidade nos atos mais rotineiros de sua vida acadêmica.

Ainda me recordo do curso proferido em 1988 pelo lingüista romeno Eugenio Coseriu, no campus do Valonguinho, onde funcionava então o Instituto de Letras, curso a que o Professor Gladstone assistiu, junto conosco, seus alunos, tomando notas e ouvindo atentamente todas as explicações do lingüista, na condição de um simples aluno, que estava ali conosco também para aprender, fato que chamou a atenção do próprio Coseriu, obrigando-o a interromper uma das aulas para dizer a todos, que se encontrava ali, honrando sua exposição, um grande estudioso da linguagem, dono de vasto conhecimento no campo da lingüística e da filologia. Elogio tão contundente, sobretudo oriundo do maior lingüista contemporâneo, em nada alterou o seu comportamento, continuou humildemente sentado ao lado dos alunos, ouvindo as aulas e fazendo suas anotações. Parecia mesmo que ele lia diariamente as lições de Hugo de São Vitor, pois procedia rigorosamente de acordo com os conselhos do filósofo francês, quando ele pontifica: O estudante prudente, portanto, ouve todos com prazer, lê tudo, não despreza escrito algum, pessoa alguma, doutrina alguma. Pede indiferentemente de todos aquilo que vê estar-lhe faltando, nem leva em conta quanto sabe, mas quanto ignora. Daqui se origina o dito platônico: “Prefiro aprender modestamente as coisas dos outros a ostentar descaradamente as minhas.” E, se quisesse, quanta sabedoria tinha o Professor Gladstone para ostentar: conhecia como poucos a língua portuguesa em todas as suas diferentes sincronias, assim como o latim que lhe havia dado nascimento, passeava com desenvoltura singular por toda a filosofia clássica e medieval, estava sempre a par dos últimos avanços da filologia e da lingüística e era capaz de dizer, sem esforço algum da memória, estâncias e estâncias de Camões e Fernando Pessoa, dois poetas portugueses por quem tinha particular estima. Mas seu saber só encontrava legitimidade, quando estava a serviço do outro, quer este outro fosse seu aluno quer fosse apenas alguém em busca de informação, ele estava sempre disposto a partilhar seu conhecimento, comunicá-lo, no sentido genuíno da verdadeira comunicação que consiste numa troca sui generis em que os participantes podem interagir livremente. Sobre a comunicação consubstanciada na discussão acerca de determinados pontos de vista, ele soube mostrar com aguda perspicácia o quanto havia penetrado a alma humana, dizendo-nos, certa feita, que só participava de discussões, na condição de haver apenas duas pessoas, porque, quando havia uma terceira, já não se discutiam idéias, pois o que todos almejavam era tão-somente a exibição de vaidades. E, se numa discussão, citávamos, para corroborar nosso ponto de vista, algum nome de relevo, ele imediatamente nos dizia, baseado nas lições de Santo Tomás de Aquino, cujo pensamento conhecia em profundidade, que o argumento de autoridade era o mais fraco de todos os argumentos, aquele que se emprega, quando não se possuem idéias a serem apresentadas.

O Professor Gladstone Chaves de Melo pertence a uma época que eu costumo designar de sincronia de ouro da Universidade Federal Fluminense. Época que reuniu os nomes mais expressivos de todos os campos do conhecimento vinculados à area de Letras, entre os quais gostaria de mencionar o nome dos Professores Ismael Coutinho, Rosalvo do Valle, Maximiano de Carvalho e Silva, Carlos Eduardo Falcão Uchôa, Maria Helena Kopschitz, , Silvio Elia, Luiz Martins Monteiro de Barros, Aloísio Manna, Leodegário Amarante de Azevedo Filho, Carly Silva, Evanildo Bechara, por terem sido responsáveis, junto com o Professor Gladstone, pela formação de sucessivas gerações de professores e de pesquisadores e também pelo perfil traçado definitivamente e com marcas inconfundíveis para o curso de Letras da Universidade Federal Fluminense, permitindo que o nome da instituição gozasse, graças ao qualificadíssimo trabalho que desenvolveram, de um respeito considerável em toda a comunidade acadêmica brasileira. Nesses anos de ouro, todos trabalhavam com afinco, voltados exclusivamente para a construção da jovem universidade e dando de si o que de melhor possuíam em sua especialidade. Quanta fidelidade à causa do conhecimento! Quanto amor pela universidade em formação! Quanta seriedade profissional e consciência de dever! 

Para dar testumunho do que estou contando, posso ilustrar com um fato bastante simples mas muito ilustrativo, da decência e dignidade desses mestres genuínos. Trata-se do dia em que, aluna do curso de especialização em língua portuguesa, procurei a Professora Maria de Lourdes Martinez, coordenadora do curso de pós-graduação, para dizer-lhe que não havia podido cursar uma disciplina junto com minha turma, por estar trabalhando naquele horário e que, por isso, talvez não pudesse concluir o curso. Ela, na tentativa de resolver-me o problema, disse-me para aguardar. Qual não foi a minha surpresa, quando soube que o Professor Gladstone havia-se disposto a sair de sua casa, no Rio de Janeiro, e fazer toda a travessia que se impunha para chegar a Niterói, apenas para dar aula a uma única aluna. Fui então procurá-lo para agradecer-lhe o grande favor, quando, mais uma vez ele aproveitou, para dar uma demonstração, com suas palavras e com seu agir, registrado de modo indelével em minha formação, do verdadeiro modelo de dignidade e de dedicação permanente ao trabalho, ao obtemperar comigo que não havia razão para agradecimentos, uma vez que entendia constituir sua obrigação dar-me o curso de que necessitava. Quanta grandeza expressa em atos singelos mas providos da maior dimensão moral!

Hoje, quando em minhas aulas me refiro à obra ou a algum conceito estabelecido por qualquer desses grandes pesquisadores, é com grande orgulho que digo a meus alunos que tive a rara honra de poder tê-los como professores, ou melhor, como verdadeiros mestres, empenhados vigorosamente na tarefa nobre de democratizar o saber. Verifico, então, que eles me olham com uma ponta de inveja, natural, é claro, por terem nascido muito depois de mim e, por tal fato, não terem tido a oportunidade de desfrutar diretamente das lições que nós, seus discípulos, pudemos ouvir deles de primeira mão. Todavia, nossa responsabilidade no sentido de dar continuidade à obra tão valiosa fica bastante ampliada, pois que nos sentimos na obrigação de executar um trabalho de bom nível, já que tivemos a oportunidade singular de adquirir conhecimentos diretamente dos representantes mais significativos de nosso campo de estudo.

No que diz respeito à atividade intelectual do Professor Gladstone Chaves de Melo, torna-se difícil selecionar o que de mais precioso ele legou para o avanço do conhecimento, de modo geral, e das ciências da linguagem, de modo especial, pois suas contribuições em diferentes áreas se distribuem em cerca de sessenta e cinco anos ininterruptos de trabalho voltado para a pesquisa e o ensino. De fato, como mostra o Professor Maximiano de Carvalho e Silva na revista Confluência, do Liceu Literário Português, em número por ele organizado e inteiramente dedicado à vida e à obra do Professor Gladstone Chaves de Melo, é tão vasta a sua contribuição, quer através das inúmeras conferências proferidas no Brasil e no exterior quer através da publicação de artigos em periódicos nacionais e estrangeiros, ensaios, livros e escritos dispersos e inéditos, que há necessidade imperiosa de organizar-se sua bibliografia por temas que abrangem Filosofia, Teologia, Literatura Brasileira e Portuguesa, Filologia e Lingüística Portuguesa e Galega. Como não posso tratar de todos os temas da forma como merecem, porque o tempo e a ocasião não permitiriam e, se o fizesse, certamente não teria a aprovação do próprio Professor Gladstone pois que, aproveitando suas palavras cheias de humor, arte em que também era mestre, correria o risco de encontrar todos dormindo, até os mais resistentes e heróicos, ao dar por terminada minha parlenda, uma vez que se trata, conforme se viu, de obra vastíssima. Assim, vou dar apenas uma visão geral de sua vida profissional e de suas principais contribuições às investigações lingüísticas e filológicas, remetendo todos os que têm interesse de conhecer-lhe a obra à antes referida revista, publicada por um de seus mais diletos discípulos, o Professor Maximiano de Carvalho e Silva.

Os grandes mestres constituem, na verdade, o reflexo dos estudiosos do passado e o Professor Gladstone teve também o seu grande mestre a quem ele declaradamente encarava como benfeitor, o filólogo francês padre Augusto Magne, que se notabilizou pelo profundo conhecimento das línguas clássicas, grego e latim, e de outras tantas vernáculas. Graças à indicação do insigne estudioso, que percebeu de imediato em seu aluno a vocação para a pesquisa e docência, o Professor Gladstone recebeu, em 1944, o convite do Professor Sousa da Silveira para ser seu assistente na cadeira de Língua Portuguesa da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, e no exíguo prazo de dois anos se submeteu a provas públicas para a obtenção dos títulos de doutor e livre-docente em Língua Portuguesa, pela referida faculdade. Atuou de 1951 a 1968, como professor de Língua Portuguesa e Literaturas Portuguesa e Brasileira, no Curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Em 1962, aceitou o convite do diretor da Faculdade Fluminense de Filosofia, para reger a cadeira de Didática Geral, da qual se transferiu, anos depois, para o setor de Língua Portuguesa, onde atuou, ministrando diferentes cursos na graduação e na pós-graduação do curso de Letras. Ainda na Universidade Federal Fluminense, participou da criação do Mestrado em Letras, ministrou aulas de diferentes disciplinas de Língua Portuguesa e foi orientador de inúmeras dissertações de mestrado de muitos dos atuais professores de universidades brasileiras. No ano de 1988, aposentou-se como Titular de Língua Portuguesa da Universidade Federal Fluminense, por ter completado setenta anos de idade e já não poder, por força de absurda legislação do serviço público, dar continuidade à carreira docente que tanto amava na universidade. Todavia, ainda que estivesse impedido de atuar como docente no Instituto de Letras, nem por isso abandonou o magistério, tendo ministrado com freqüência cursos abertos à comunidade no Liceu Literário Português e tendo proferido conferências em diversas instituições.

Entre suas inúmeras publicações, gostaria de ressaltar aquelas que constituem, a rigor, contribuições definitivas no campo da lingüística e da filologia, em virtude de terem projetado não apenas seu nome e o nome da Universidade Federal Fluminense mas também o de toda a comunidade acadêmica brasileira no exterior, ajudando a construir um perfil próprio e respeitável para todos o estudiosos da linguagem de nosso país, através do reconhecimento conquistado também fora daqui entre aqueles que se dedicam a pesquisas dessa natureza.

Pouco afeito a modismos de última hora, o Professor Gladstone nunca vestiu o figurino daqueles que, revelando o ranço de nosso passado colonial, costumam estar sempre prontos a incorporar a teoria mais em voga, ainda que em detrimento do rigor científico, e, por isso, sempre consagrou grande parte de seu tempo ao estudo dos autores tradicionais da língua portuguesa, Gil Vicente, Luís de Camões, Frei Luís de Sousa, Padre Antônio Vieira, Machado de Assis, José de Alencar, com a mente sempre voltada para as contribuições dos estudiosos da Antigüidade greco-latina, de quem costumava tratar com a reverência merecida, fazendo sempre suas as palavras de Victor Hugo quem nos livrará dos gregos e dos latinos? Graças a seu trabalho de crítico textual, com a colaboração de outros estudiosos, deixou-nos várias edições cuidadosamente preparadas desses autores, valendo ressaltar a edição escolar d’Os Lusíadas, publicada em 1972, A vida do Arcebispo, de Frei Luís de Sousa, publicada em 1984, o Sermão da Sexagésima, do Padre Antônio Vieira, publicada em 1985 pela editora desta casa.

Entre as décadas de quarenta e cinqüenta, vieram a lume três livros fundamentais de sua vasta bibliografia: A língua do Brasil, a edição do texto crítico do romance Iracema, de José de Alencar e Iniciação à filologia portuguesa, publicados respectivamente em 1946, 1948 e 1951.

O primeiro, A língua do Brasil, tinha por escopo discutir a questão polêmica e que a todos apaixonava na época, da constituição de uma língua genuinamente brasileira. O notável autor mostrou, com a segurança de quem possuía embasamento doutrinário sólido, que tal proposta sobre ser inteiramente descabida e absurda era indefensável de quaisquer pontos de vista.

O segundo, a edição crítica do grande romance de Alencar, Iracema, foi publicado pelo Instituto Nacional do Livro e constituiu trabalho pioneiro entre nós, uma vez que, até então, a monumental obra do escritor cearense ainda não havia passado, como merecia, pelo rigor conferido pelo aparato técnico da Crítica Textual, de modo a se obter um texto fidedigno que refletisse, de fato, aquele originalmente elaborado por seu autor.

O terceiro, Iniciação à filologia portuguesa, cujo título foi alterado na quarta edição para Iniciação à filologia e à lingüística portuguesa, transformou-se em obra de consulta obrigatória para todos os que se iniciam no estudo de língua portuguesa, e mereceu, em virtude de seu indiscutível valor, comentários elogiosos de Mattoso Câmara, na famosa revista A Cigarra.

Além dessas três obras referidas, publicou ainda trabalhos que passaram a ser referência bibliográfica indispensável àqueles que se dedicam ao estudo das línguas, especialmente da língua portuguesa, como Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa e Gramática Fundamental da língua Portuguesa.

Sei que meus amigos já estão cansados de tanto me ouvir e não tenho o direito de abusar de sua demonstração de afeto e de paciência, mas não posso terminar sem antes manifestar o meu mais caloroso agradecimento a muitas pessoas que, por diferentes razões, também foram determinantes durante o longo e permanente aprendizado de minha existência.

Aos eminentes membros da Academia Brasileira de Filologia que, honrando-me com seu voto, permitiram-me fazer parte dessa tão importante instituição.

À professora Nélia Bastos, nossa diretora, pela amizade dedicada a todos os que trabalham nesta casa e pelo empenho na tarefa difícil de bem administrar o nosso Instituto de Letras.

Aos professores e funcionários técnico-administrativos do Instituto de Letras, por transformarem a espinhosa rotina do trabalho numa atividade sempre prazerosa, em que a amizade, o respeito e o afeto são as marcas perenes do convívio. Entre os funcionários, não poderia deixar de destacar o nome da secretária do Instituto de Letras, Eloísa Louzada, funcionária exemplar, que levou às últimas conseqüências seu posto de servidora pública, servindo a todos, indistintamente, com boa-vontade, carinho e desprendimento, apesar do vilipêndio sofrido, junto com os outros servidores públicos, durante este funesto governo de que afortunadamente já nos vamos livrar.

Aos meus alunos, a rigor, muito mais mestres que alunos, pelas lições de carinho, obstinação e dignidade, que me oferecem invariavelmente cada vez que entro em sala-de-aula.

Aos colegas da ADUFF, sindicato ao qual eu muito me orgulho de pertencer, pela inabalável resistência às ferozes tentativas de privatização da universidade.

Aos meus familiares e aos meus amigos, pela solidariedade e pelo amor incondicional manifestados no duro quotidiano da convivência.

A Herculano de Carvalho e a Eugenio Coseriu, meus mentores intelectuais, de cujos preciosos ensinamentos me valho desde que me apaixonei pela lingüística.

Por fim, agradeço as lições recebidas dos mestres amadíssimos, Professor Carlos Eduardo Falcão Uchôa e Professor Luiz Martins Monteiro de Barros, pessoas de fundamental importância na minha vida acadêmica, que, além de amigos muito queridos, foram e continuam a ser meus mestres muito amados e a quem hoje eu dedico, por tudo o que têm representado ao longo de toda a minha trajetória profissional, este momento de intensa e inesquecível felicidade.”

Após os discursos de posse, os presentes foram convidados para um coquetel, em comemoração da posse da nova acadêmica, Profa. Terezinha. Eu, Amós Coêlho da Silva, Primeiro Secretário, lavrei esta presente ata que vai assinada pelo Presidente, Prof. Dr. Leodegário A. de Azevedo Filho, e por mim.

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