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ATA DE REUNIÃO ORDINÁRIA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA
DO DIA 10 DE DEZEMBRO DE 2005

Às quinze horas do dia dez de dezembro de dois mil e cinco, no RAV 112 da UERJ (Rua São Francisco Xavier, 524, Bloco F, 11o. andar), iniciou-se a reunião ordinária da Academia Brasileira de Filologia, estando presentes os seguintes acadêmicos, que assinaram o Livro de Registro de Presenças: Adriano da Gama Kury, Amós Coêlho da Silva, Castelar de Carvalho, Ceila Maria Ferreira Batista Rodrigues Martins, Evanildo Cavalcante Bechara, França Rolim de Freitas, José Geraldo Paredes, José Pereira da Silva, Leodegário Amarante de Azevedo Filho, Luiz César Saraiva Feijó, Manoel Pinto Ribeiro, Maria Antonia da Costa Lobo, Ricardo Stavola Cavaliere, Walmirio Heronides de Macedo e Terezinha Maria da Fonseca Passos Bittencourt, os visitantes José Antônio de Almeida Senna, José Mario Botelho, Vanderlei de “Tal”, Célia Maria de Paula Barros, Inez Macedo, Renato César Lobo, havendo justificado sua ausência os acadêmicos Antônio Martins de Araújo, Helênio Fonseca de Oliveira, Paulo Silva de Araújo, José Venícius Marinho Frias, Hilma Pereira Ranauro e Maria Emília Barcellos da Silva. Iniciando a reunião, o Senhor Presidente, Leodegário Amarante de Azevedo Filho, preocupado com as finanças da Academia, mandou registrar em ata a sua preocupação, manifesta de forma incisiva e contundente. A seguir, informou que a Acadêmica Cleonice Seroa da Motta Berardinelli e o Acadêmico Gilberto Mendonça Teles passarão para o quadro especial, na qualidade de Membros Honorários do Quadro Especial da Academia Brasileira de Filologia e que a Professora Cleonice deverá ser recebida como Membro Honorário pelo Acadêmico Carlos Eduardo Falcão Uchôa. Ainda informou o Senhor Presidente que foram solicitados recursos ao FINEP para a edição das atas do Congresso Internacional de Língua Portuguesa. Depois destas informações iniciais, o Senhor Presidente deu a palavra ao Acadêmico Manoel Pinto Ribeiro para apresentar, em nome da Diretora Financeira, Acadêmica Maria Emília Barcellos da Silva, o relatório financeiro da ABF, que está com R$ 14.300,46 (quatorze mil, trezentos reais e quarenta e seis centavos) aplicados mais R$ 2.480,28 (dois mil, quatrocentos e oitenta reais e vinte e oito centavos) de saldo no Banco Itaú. Também foi apresentado o relatório da IV Semana Nacional de Língua Portuguesa, realizado no Colégio Pedro II como um insucesso, tendo sido proposta a sua repetição em abril de dois mil e seis. O Primeiro Secretário, Acadêmico Amós Coêlho da Silva, apresentou o relatório cultural do ano de dois mil e cinco, que constou da realização das seguintes conferências da Academia: “A ultracorreção na epopéia camoniana” por Leodegário Amarante de Azevedo Filho, “O estilo de Cruz e Souza” por Castelar de Carvalho, “Gramáticos maranhenses do século XVIII” por Antônio Martins de Araújo, “A lingüística chomskiana e seus estudos lingüísticos” por Carly Silva, “Saindo do poço: progressos da filologia brasileira nos últimos dez anos” por José Pereira da Silva, “Os estudos lingüísticos no Brasil” por Ricardo Stavola Cavaliere, “Arte e ciência gramatical” por Hilma Pereira Ranauro, “A contribuição tupínica no português do Brasil” por Agenor Ribeiro da Silva, o SEMINÁRIO SUPERIOR DE LITERATURA BRASILEIRA e a IV SEMANA NACIONAL DE LÍNGUA PORTUGUESA. Também foi registrado que três membros da Academia Brasileira de Filologia (Evanildo Bechara, Bruno Bassetto e João Bortolanza) foram condecorados na USP (São Paulo) com a MEDALHA ISIDORO DE SEVILHA “Destaque em Lingüística e Filologia” do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos. O Acadêmico Ricardo Stavola Cavaliere apresentou o relatório da Comissão da Nomenclatura Gramatical Brasileira, com cópias impressas para os membros da Comissão. Depois do cafezinho, a “defesa da candidatura de José Mario Botelho a uma vaga no Quadro Permanente da Academia Brasileira de Filologia” foi apresentada pelo Acadêmico José Pereira da Silva, designado pelo Senhor Presidente. A defesa da candidatura de Álvaro Alfredo Bragança Júnior a uma outra vaga seria apresentada pelo Acadêmico Rosalvo do Valle, que faltou à reunião, ficando adiada para uma próxima oportunidade. Por fim, foi apresentado à ABF o Dicionário Latino-Português de Amós Coêlho da Silva e Airto Ceolim Montagner, que doou um exemplar para a sua Biblioteca. A seguir, o Senhor Presidente convocou o Vice-Presidente, Acadêmico Evanildo Cavalcante Bechara, para presidir a sessão seguinte, em que ele, Leodegário, proferiu a conferência intitulada “A ultracorreção na epopéia camoniana”, a que apresentaram interferências os acadêmicos Luiz César Saraiva Feijó, Ricardo Stavola Cavaliere, José Pereira da Silva, Castelar de Carvalho e Evanildo Bechara e o visitante José Mario Botelho. às dezessete horas e cinqüenta e cinco minutos, não havendo mais assuntos na pauta nem mas quem desejasse fazer uso da palavra, o Senhor Presidente deu por encerrada a sessão, de que eu, Segundo Secretário, José Pereira da Silva, lavro a presente ata que vai assinada por mim e pelo Senhor Presidente.


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                Evanildo Cavalcante Bechara                                       José Pereira da Silva

 

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1 Segue em anexo o texto desta conferência.

 

 

 

ANEXO

A ULTRACORREÇÃO NA EPOPÉIA CAMONIANA

Leodegário A. de Azevedo Filho (Professor emérito da UERJ, Titular da UFRJ e 
Presidente da Academia Brasileira de Filologia)

Editar criticamente um texto significa apresentá-lo ao leitor em sua forma possivelmente originária ou livre de impurezas, pois a edição de um texto, seja ele qual for, sempre está sujeita a lacunas, saltos, lapsos de impressão, de revisão ou de cópia, omissões, transposições, troca de letras ou de palavras, inovações, interpolações, em suma, erros de toda espécie, incluindo-se aqui os decorrentes de ultracorreção ou hipercorreção.

No caso da epopéia camoniana, com duas ou mais tiragens datadas de 1572, são numerosos e complexos os problemas que se deparam aos estudiosos de crítica textual, não havendo tempo, numa simples comunicação, para tratar de todos eles. Sendo assim, limitaremos a nossa participação, nesta VII Reunião Internacional de Camonistas, apenas, à análise dos possíveis erros de ultracorreção no texto de Os Lusíadas, como pequena contribuição para uma futura edição crítica da obra imorredoura de Camões.

O ideal seria, acrescente-se desde logo, que todos os exemplares da epopéia camoniana, com data de 1572, apresentassem o mesmo texto, sem qualquer variante grave, secundária ou puramente gráfica. Mas isso, bem sabemos, não ocorre, compreendendo-se assim que, ao longo de vários séculos, tão delicada questão textual tenha ocupado um sem número de investigadores, a começar mesmo por M. de Faria e Sousa, o grande editor do século XVII. Como não se ignora, partiu ele de uma tradição textual divergente ou mesmo múltipla, confrontando então dois exemplares dessa tradição, embora sem observar neles a posição do colo do pelicano voltado para a esquerda ou para a direita do leitor na portada dos volumes. Como texto-base, escolheu o exemplar que apresentava, no sétimo verso da primeira estrofe, no Canto I, a seguinte leitura: "Entre gente remota edificaram", exemplar por ele considerado como pertencente à "edição original", em confronto com as leituras divergentes de outro exemplar, que seria de uma segunda tiragem da mesma edição datada de 1572, com a seguinte leitura para o verso acima citado: "E entre gente remota edificaram". Bem mais tarde, com W.Storck e outros estudiosos, as duas tiragens passaram a ser denominadas assim: edição E, a que M. de Faria e Sousa considerava "original", e edição Ee, a outra. Seja aqui observado que, naquela época, erros detectados durante a impressão tipográfica de um livro eram corrigidos, sem que as páginas já impressas fossem inutilizadas. Explica-se assim a ocorrência freqüente de variantes graves ou simplesmente gráficas no confronto de dois textos de uma só e mesma edição, muitas vezes optando Faria e Sousa pela leitura mais apurada da edição Ee, nas numerosas emendas que ia fazendo ao texto da edição E. Praticamente, a partir daí, várias teorias foram surgindo pelos séculos afora, distribuindo-se em verdadeiras escolas de interpretação textual, como observa o nosso ilustre colega K. David Jackson, aqui presente, em sua admirável pesquisa publicada em CDRom, em 2003. A propósito, estudo excelente também se encontra na primorosa introdução teórica assinada por Vítor Manuel de Aguiar e Silva, também presente, para a edição fac-similada de um exemplar da edição Ee, pertencente à Sociedade Martins Sarmento (Braga, Universidade do Minho, 2004). Nem é nosso objetivo retornar aqui ao minucioso histórico da questão já plenamente feito pelos dois colegas acima indicados. Em resumo, teríamos, como principais, as seguintes posições sobre o problema aqui sugerido:

1º) A edição original ou princeps seria a edição E, assim considerada por FS, com erros de toda espécie, fato que motivou nova tiragem, com numerosas correções, muito provavelmente feitas sob as vistas do próprio Camões, que vivo estava, em Lisboa, no ano de 1572.

2º) Em segunda posição, passou-se a admitir que a editio princeps seria a edição Ee, dela fazendo-se uma ou mais tiragens possivelmente clandestinas, pois visavam a lucros financeiros, em face da crescente aceitação nacional da epopéia camoniana, verdadeira Bíblia do povo português, em delicado momento de sua gloriosa história. Assim, a edição original seria a edição Ee, não passando a outra de simples contrafação ou mesmo fraude, cheia de erros clamorosos, que jamais poderiam ser atribuídos a Camões.

As duas posições básicas, acima indicadas, já fizeram correr muita tinta, não sendo intenção nossa entrar em minúcias analíticas, já amplamente desenvolvidas por camonistas ilustres ao longo dos tempos. Nesse sentido, o professor David Jackson já indicou que há mesmo um terceiro tipo de edição, que chega a misturar as leituras de E com as leituras de Ee, não de forma crítica, mas de forma inteiramente arbitrária.Observamos aqui que temos usado, de propósito, o termo leitura e não o termo lição, como fazem outros autores, exatamente porque não se dispõe do autógrafo camoniano, inteiramente perdido. Portanto, a rigor, não se pode falar em lições, mas simplesmente em leituras.

Chegamos assim ao ponto central desta breve comunicação: para uma edição crítica de Os Lusíadas, bem sabemos que todas as tiragens ou edições da obra devem ser criticamente trazidas à colação, em busca do que o Poeta verdadeiramente teria escrito. E, para essa busca, sem sombra de qualquer dúvida, a teoria dos erros, especialmente a que se volta para o fenômeno da ultracorreção, vai trazer subsídios importantíssimos, como também sugere o nosso colega Nicolás Extremera Tapia, da Universidade de Granada. Sem pretender esgotar o assunto, pois temos que respeitar o tempo de que dispomos, vejamos apenas alguns exemplos, depois da necessária conceituação do fenômeno aqui referido. 

Para nós, com efeito, ultracorrigir ou hipercorrigir um texto consiste em interpretar, como incorreta, uma forma rigorosamente correta de linguagem, para, em seguida, substituí-la por uma forma errada, mas que se acredita seja a certa. Tais formas se dizem ultracorrigidas, já que se elevam acima da correção. Portanto, a ultracorreção ou hipercorreção resulta de uma ação no sentido de querer corrigir o que está certo, por falta de adequado conhecimento lingüístico ou adequada informação cultural. Por exemplo, em face de uma lectio defficilior, muitas vezes, trivializa-se ou banaliza-se um verso camoniano, tanto na poesia épica, como na lírica ou mesmo nas redondilhas dos autos, com o propósito de ultracorrigi-lo. Há sempre clara manifestação do intuito de corrigir supostos erros, mas afastando-se da norma culta ou exemplar da língua. Mais que isso: afastando-se do próprio Código, entendendo-se por Código o lugar onde se fixa uma cultura, conforme a conhecida conceituação de Michel Foucault, em Les mots et les choses.

Passemos às exemplificações:

1. Edição Ee, I, 17ª estrofe, v.2:

Dos dous avôs, as almas ca famosas, 

Edição E: Dos dous avòs, as almas ca famosas,

Observação:
O plural que está em Ee se impõe, pois os dois avôs são: D. João III (avô paterno) e Carlos V (avô materno). Daí a forma avôs em Ee. Pela norma culta da língua, avós é plural de avô e avó. E avôs é que é considerado o plural da forma masculina: avô, como está em Ee.

2. Edição Ee, II, 1ª estrofe, v.7:

Quando as infidas gentes se chegárão

Edição E: Quando as fingidas gentes se chegárão

Observação:

Aqui se encontra um dado realmente importante para caracterizar a edição Ee como a princeps, por duas razões. Facilmente verifica-se que o Poeta deve ter escrito infidas e não fingidas. Realmente, por conformatio textus, a palavra infidas é a que melhor se ajusta ao pensamento de Camões. Entretanto, sendo pouco usada tal palavra erudita (infidas), e aí está a segunda razão, mesmo em fase da relatinização do idioma, própria do português quinhentista, por clara lectio difficilior, fica evidente a banalização ou trivialização do verso, com o uso de fingidas, palavra mais popular e não muito adequada ao texto. Daí se conclui que a tiragem posterior só pode ser a da edição E, onde se lê o termo mais conhecido e vulgar pelo termo erudito e pouco usado.

3. Edição Ee, II, 56ª estrofe, v.2:

Filho de Maia aa terra, por que tenha,

Edição E: Filho de Maria aa terra, porque tenha

Observação:

FS op. cit. p.475 indica,eruditamente, a fonte greco-latina do verso: Homero e Virgílio. E corrige o erro, em sua edição (II, 56, 2), que parte de E como texto-base, para Filho de Maia .., e não .. Filho de Maria .., baseando-se na edição Ee. Com efeito, o verso se refere a Mercúrio, que jamais poderia ser filho de Maria. Mitologicamente, Maia é uma filha de Atlas e mãe de Hermes (Mercúrio). Como se vê, estamos diante de mais um autêntico caso de lectior difficilior, banalizando-se o verso na edição E. Evidentemente, Camões jamais cometeria, em seu texto autógrafo, tão gritante erro. Portanto, aqui se tem mais um argumento no sentido de que a editio princeps só pode ser a edição Ee. Mais uma vez, aqui, fica patente o fenômeno da ultracorreção.

4. Edição Ee, II estrofe 96, v.4:

Da liberalidade Alexandrina.

Edição E: Da liberdade Alexandrina.

Observação: Na edição E, que substituiu .. liberalidade .. por .. liberdade .., o verso ficou com 8 sílabas métricas e não com 10. Novamente, FS (I, 137) abandonou a leitura da que chamava "edição original", para seguir a boa leitura da edição Ee, com .. liberalidade .., corrigindo a medida do verso decassílabo heróico.

5. Edição Ee, III, estrofe 3, v.7:

Não me manda contar estranha história:

Edição E: Não me manda cantar estranha história: 

Observação:

Em E, nota-se a substituição de .. contar .. por .. cantar .. FS (I, v. 5), mais uma vez, segue a edição Ee, III, usando .. cõtar ..

6. Edição Ee. III, estrofe 34, v. 5:

Em batalha cruel, o peito humano,

Edição E: Em trabalho cruel, o peito humano,

Observação:

Em E, lê-se .. trabalho .. por .. batalha .. FS (I, p.48), novamente, segue a boa leitura de Ee, com ..batalha ..e não com ..trabalho ..

7. Edição Ee, estrofe 130, v.8:

Feros vos amostrais, e cavalheiros?

Edição E: Feros vos mostrais, e cavalheiros.

Observação:

Na edição Ee, por mais de 10 vezes, Camões usa a forma protética ..amostrar.. (latim: monstrare), como recurso métrico, ou seja, para assegurar a medida e o ritmo do verso. Mas a forma .. mostrar.. é a mais usada, também na edição Ee. No caso, é manifesto o erro de revisão tipográfica, ficando o verso com 9 sílabas e com o ritmo alterado. Além disso, o verso é interrogativo, não havendo ponto de interrogação na edição E. Tudo isso demonstra que a edição E é clara contrafção da edição Ee, com péssimo serviço de revisão tipográfica.

8. Edição Ee, IV, estrofe 38, v.6:

E sopesando a lança quatro vezes,

Edição E: E soprando a lança quatro vezes,

Observação:

Na edição E, o verso se apresenta com uma sílaba a menos, além da estranha substituição de ..sopesando .. (sentido de pesar ou avaliar com a mão), que é a leitura certa de Ee, por .. soprando .. Aqui também FS (op. cit. p.306) repeliu a leitura errada de E, ficando com a leitura certa de Ee.

9. Edição Ee, V, estrofe 53, V.1:

Como fosse impossíbil alcançalla

Edição E: Como fosse cousa impossíbil alcançalla

Observação:

Em E, com a inclusão de .. cousa .., o verso, evidentemente reescrito, ficou hipermétrico e com ritmo alterado. FS (op. cit. p.568) novamente abandonou E, ficando com a boa leitura de Ee.

10. Edição Ee, estrofe 58, v.7:

Comecey a sentir do fado imigo

Edição E: Comecei a sentir do fado amigo

Observação:

A substituição de .. imigo .., por ..amigo .. é claro, inverte o sentido do verso. Novamente FS (op. cit. p. 576) abandonou a leitura de E, seu texto-base, para seguir a boa leitura de Ee, com ..imigo .. e não com .. amigo ..

11. Edição Ee, VI, estrofe 38, v,6:

Do Eoo Emisperio está remota,

Edição E: Do Eolo Emisperio está remota,

Observação:

FS (II, p. 87) , com inteiro acerto, abandonou novamente a má leitura de E, para seguir a boa leitura de Ee. Com efeito, na edição E, mudou-se .. Eoo .. (palavra de origem grega que significa oriental), para .. Eolo .. Aqui, tem-se outro caso de clara lectio difficilior, pois o verso banalizado, com o uso de .. Eolo ..apenas revela a ignorância cultural de quem fez a emenda.

12. Edição Ee, VI, estrofe 85, v. 6:

De quem foge o ensifero Orionte,

Edição E: De quem sofre o ensifero Oriente.

Observação:

O uso de .. Orionte ..(ou Orion) nada tem a ver com .. Oriente .., conforme se verifica na má leitura da edição E, pois se trata, em Mitologia, do nome de um caçador gigantesco, mas formoso, que foi colocado entre as constelações. A espada que trazia nas mãos (ensífero é igual a portador de espada) denotava a aspereza com que tratava o mundo, submetendo-o a chuvas e tempestades, que Vênus acalmava. Trata-se de outro caso de lectio difficilior, que induziu o editor de E a substituir ..Orionte .. por .. Oriente .., trivializando o verso, por desconhecimento de Mitologia. FS (vol II, p. 173), bem avisado, novamente se afastou da má leitura da edição E, para ficar com a leitura da edição Ee: .. Orionte .. e não .. Oriente ..

13. Edição Ee, VI, estrofe 70, v. 3:

Do rico Tejo, e fresca Goadiana, 

Edição E: Do rio Tejo e fresca Goadiana,

Observação:

Aqui também FS (vol. II, p. 332) optou pela boa leitura de Ee, usando o adjetivo ..rico .. para o rio Tejo, "porque se diz que leva areias de ouro." Na edição E, por ultracorreção, o verso se apresenta trivializado.

14. Edição Ee, VIII, estrofe 32, v. 3: 

Português Cipiam chamar se deve

Edição E: Português capitam chamar se deve

Observação:

FS (vol. II, p.422 ), como era de esperar-se de sua ampla erudição, rejeitou a má leitura de E: .. capitam .. e ficou com a boa leitura de Ee .. Cipiam .., pois este (Públio Cornélio Cipião, o Africano) muito contribuiu, como procônsul, para o êxito da Segunda Guerra Púnica. Também foi vencedor de Aníbal, que invadiu a Itália, (202 a.C.), do mesmo modo que D. Nuno Álvares Pereira venceu D. João I, de Castela, que invadiu Portugal. Portanto, reduzir D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável, cognominado "o segundo pai da Pátria", por ser o vencedor da famosa Batalha de Aljubarrota, a um simples capitão, seria rebaixá-lo, sem perceber o grande elogio de Camões ao herói português. Trata-se de outro flagrante caso de lectio difficilior, esta de caráter histórico, gerando ultracorreção, que trivializou impiedosamente o verso na edição E.

15. Edição Ee, VIII, estrofe 65, v. 3:

Nam causaram, que o vaso da niquicia,

Edição E: Nam causaram, que o vaso da iniquicia,

Observação:

Aqui FS (vol.II, p. 484) seguiu, inadvertidamente, a leitura de E, com .. iniquicia ..no lugar de ..niquicia .. Mas a leitura da edição Ee é a que se impõe, pois .. niquicia ..é latinismo puro: nequitia, pronúncia quinhentista .. niquícia .., com assimilação regressiva do /e/ ao /i/, por harmonização da vogal pretônica com a vogal tônica do vocábulo. Os bons editores modernos, a partir mesmo do respeitável Epifânio da Silva Dias, defendem a forma "nequícia", como latinismo: nequitia. A expressão "vaso da nequícia", como sinônima de "vaso da maldade", remete ao Demônio. A forma "iniquícia", que não vingou, certamente deve ter surgido por falsa analogia com "iniquidade". Latim: iniquitas, atis).

16. Edição Ee, IX, estrofe 30, v. 2:

Estão em varias obras trabalhando,

Edição E: Estão em varias ondas trabalhando

Observação:

FS (II, p. 69), é claro, vai aceitar aqui, novamente, a boa leitura da edição Ee: "estam em varias obras trabalhando". E assim o fazem todos os bons editores modernos. Portanto, mais um caso de lastimável ultracorreção.

17. Edição Ee, IX, estrofe 50, v. 4: 

Pera a ilha, a que Venus as guiava:

Edição E: Pera a ilha, a que Venus os guiava:

Observação:

FS (II, 124), mais uma vez, deixa de lado a edição E e acolhe o verso da edição Ee: "Para a ilha, a que Venus as guiava." Pelo sentido dos versos, não pode haver qualquer dúvida: as ninfas vão para a ilha, ouvindo os bons conselhos de Vênus. Cada vez mais fica patente que a chamada edição E está repleta de ultracorreções. A nosso ver, trata-se de uma edição que deve ser condenada, em respeito à memória de Camões.

18. Edição Ee, IX , estrofe 63, v. 2: 

Responde lhe do ramo Philomela,

Edição E: Responde lhe do ramo Philomena,

Observação:

FS, ainda aqui, fica com a boa leitura da edição Ee, abandonando a edição E: .. Philomela .. e não ..Philomena .. Como se sabe, Philomela é nome de uma mulher (filha de Pandíon, rei de Atenas), que foi transformada em rouxinol. Nos considerados bons editores, antigos e modernos, aparece a forma Philomela. Philomena, também existente na língua, parece que nos chegou pelo francês Philomène. Mas, não está presente em Os Lusíadas.

19. Edição Ee, IX, estrofe 86, v. 5:

Pera lhe descobrir da úmida esphera,

Edição E: Pera lhe descobrir da Vinda esphera,

Observação:

Mais um exemplo estranho de hipercorreção: .. Vinda .. no lugar de .. úmida ..FS (II, p. 261), novamente, opta pela boa leitura da edição Ee, recusando a má leitura de E, como o fizeram todos os bons editores do texto, de ontem e de hoje. Note-se que a "úmida esfera" é o globo terrestre.

20. Edição Ee, IX, estrofe 91, v. 2:

Por feitos imortais e soberanos,

Edição E: Por feitos mortais e soberanos,

Comentário:

FS (II, p.274), como já se tornou rotina, afastou-se da "edição" aque chamava "original" (ed. E) e escolheu a boa leitura da edição Ee: "Por feitos imortais.." e não "Por feitos mortais ..", que inverte o sentido do verso. A partir de A. E. da Silva Dias, todos os bons editores modernos seguem a leitura de Ee.

21. Edição Ee, , estrofe 87, v. 6:

Co largo cinto douro, que estellantes

Edição E: Co largo cinto douro, que estrellantes

Observação: 

Outro caso típico de ultracorreção. Aqui, FS (II, p.474) ficou com a leitura hipercorrigida da edição E, usando .. estrellantes .. por .. estellantes .. Mas sem razão plausível, pois .. estellantes .., do latim stellante, significa exatamente "constelado, guarnecido de estrelas." Portanto, deve-se respeitar o latinismo usado por Camões, como aliás FS já o havia feito em IX, 90, 3: "La no estellante Olimpo, a quem subia." FS (II, p. 471). A partir de A. E. da Silva Dias, todos os bons editores modernos respeitaram o latinismo usado por Camões.

Conclusão

Acima, apresentamos apenas 21 exemplos colhidos do primeiro Canto ao décimo Canto, entre dezenas e dezenas deles. A nosso ver, a chamada teoria dos erros, no que se refere às ocorrências de ultracorreção ou hipercorreção, trará sempre a sua substancial contribuição à crítica de textos, em face de Os Lusíadas, seja qual for a hipótese de trabalho. Se for tomada como texto de base a edição E, cheia de gritantes erros, como FS o fez, tais erros só podem decorrer de má leitura do perdido autógrafo camoniano. Tal hipótese explicaria o aparecimento de uma tiragem devidamente corrigida, talvez e até mesmo sob as vistas exigentes do próprio Camões, que estava vivo e presente em Lisboa durante a impressão da obra, em 1572, daí decorrendo a edição Ee. Ao contrário, se a edição Ee for tomada como texto de base, como pensamos, publicado com o Autor vivo e presente, a outra, a chamada edição E só pode ser considerada como deplorável contrafação, ou como recusável produto ultracorrigido. Portanto, seja qual for a hipótese, a chamada edição Ee é a que se impõe como irrecusável, devendo ser a verdadeira base de qualquer edição crítica moderna.

 

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