Às quatorze horas e trinta minutos do dia vinte e três de
fevereiro de dois mil e oito, reuniu-se a Academia Brasileira de Filologia na
Capela Ecumêmica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rua São Francisco
Xavier, 524 – Maracanã - Rio de Janeiro – RJ, para a cerimônia de posse do
Acadêmico Afrânio da Silva Garcia, eleito no dia dezoito de agosto de dois mil e
sete para ocupar a cadeira número dezenove, fundada por José de Sá Nunes, cujo
patrono é Rui Barbosa, substituindo o Acadêmico Paulo Silva de Araújo, que
passou para o quadro especial. Estavam presentes os Acadêmicos Adriano da Gama
Kury, Afrânio da Silva Garcia, Álvaro Alfredo Bragança Júnior, Amós Coêlho da
Silva, Domício Proença Filho, Fernando Ozório Rodrigues, José Pereira da Silva,
Leodegário Amarante de Azevedo Filho e Maria Antônia da Costa Lobo e os
visitantes Aileda de Matos Oliveira, Álvaro Carlos Silva, Antônio Sérgio
Cavalcante da Cunha, Caio Magalhães da Costa, Carla Cristina dos Santos, Carla
Pereira de Amorim, Célia Maria Paula de Barros, Cristiano L. da Silva, Daniela
dos Anjos Garcia, Daniele Segadães Porto, Dilce Garcia Ribeiro, Francisco T.
Magalhães, Karine Marcelle Amorim dos Anjos, Lúcia T. M. da Costa, Maria Rita
Pereira, Maria Thereza Redig de Campos Barrocas, Marinalva de Souza Correia,
Nataniel dos Santos Gomes, Nilma Brilhante Kury, Noemi de Farias Fuly, Norma
Alves de Sales Santos, Patrícia Bastos Abdala, Pedro Mondrine, Regina Maria de
Souza E. da Silva, Rejane Sousa, Sérgio de Andrade da Cunha, Silvia Maria
Pinheiro Bonini Pereira, Tânia Garcia e outros. Depois do encerramento da
cerimônia de posse, o Acadêmico Afrânio Afrânio da Silva Garcia ofereceu um
coquetel aos convidados, no salão de festas da Capela Ecumêmica, durante o qual
os acadêmicos e convidados puderam saborear os deliciosos petiscos e conversar
sobre os mais diversos temas que o ambiente propiciava. Por volta das dezoito
horas, todos satisfeitos, foi dada por encerrada a festa e a posse de Afrânio da
Silva Garcia, da qual lavrei a presente ata, que vai assinada por mim e pelo
Senhor Presidente.
DISCURSO DE POSSE
NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA
DO ACADÊMICO AFRÂNIO DA SILVA GARCIA
NO DIA 23 DE FEVEREIRO DE 2008
Senhor Presidente da Academia Brasileira de Filologia, Professor Doutor
Leodegário Amarante de Azevedo Filho! Senhor Vice-presidente, Professor Doutor
Evanildo Bechara! Senhores Acadêmicos! Senhoras e senhores! Prezados alunos e
colegas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro! Caríssimos amigos e
parentes convidados!
O Professor Afrânio Garcia deu-me a honra de apresentá-lo nesta grata data de
sua posse na cadeira 19, Patrono Rui Barbosa, fundada por José de Sá Nunes e
ocupada, em seguida, por Luís Felipe Vieira Souto, Paulo Silva de Araújo e,
finalmente, Afrânio da Silva Garcia.
Esta ocasião é um marco na vida do Professor Afrânio, já que ele há de
representar doravante as realizações históricas de um estadista e jurisconsulto,
que, como embaixador brasileiro, assinalou diante do mundo a sua presença na
Conferência de Haia de 1907. Rui Barbosa foi um erudito e estilista, o sucessor
do Presidente perpétuo da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, e
ficou na presidência da ABL de 1908 a 1919, portanto, primus inter pares.
Por isso tudo, a sua responsabilidade, diante de nós e de seus alunos, cresceu
muito.
Mas a sua trajetória biográfica nos alenta. Apesar das dificuldades econômicas
desde o berço, porém, esperado por pais ciosos e criteriosos quanto à educação,
Afrânio estudou no Colégio Estadual Visconde de Cairu, na década de sessenta, ou
seja, quando ainda havia um certo interesse por parte do poder público pela
educação. Infelizmente, teve de enfrentar o gosto amargo do período da ditadura
militar no Brasil. O que o fez aderindo ao movimento “hippie”, indo a festivais
de “rock” (esteve presente à última apresentação de Raul Seixas), viajando de
carona pelo país e publicando seus poemas de maneira alternativa, sendo parte
ativa da famosa “geração do mimeógrafo”, conforme seu depoimento.
Cursou Letras na UFRJ na década de 70, seriíssimo centro de estudos, que, por
essa ocasião, ainda não padecia dos cortes de dotação de verba do governo. Por
isso mesmo, apesar do momento político de ditadura militar, mesmo assim, a
Faculdade de Letras era herdeira de professores, os quais estão presentes em
nossos corações pelo que semearam, eles nos deixaram saudosos da qualidade de
educação oferecida então.
Afrânio Garcia foi nosso coetâneo no Curso de Mestrado da UFRJ no precário
prédio da Avenida Chile a partir de 1982, ano em que também foi aprovado no
concurso público da rede de educação do estado. Ele começou a trilhar, nessa
fase de sua vida, a árdua estrada do magistério secundário, como professor de
inglês, na rede pública, a qual sempre reivindicou dignidade e qualidade na
educação, e o continua fazendo, apesar do descaso das autoridades que
administram a educação de nosso país. Nos anos noventa, prossegue sua meta,
retoma no doutorado da UFRJ seus estudos sobre a Língua Portuguesa e conclui com
a tese: História da ortografia do português do Brasil.
Atualmente, o Professor Afrânio pertence à Faculdade de Formação de Professores
da UERJ, em São Gonçalo, por concurso público, e, com apoio de seus colegas,
mantém a pós-graduação lato sensu Especialização em Língua Portuguesa, tendo,
inclusive, participado da coordenação, ocasião em que implantou excelência
bibliográfica e pedagógica neste curso da FFP da UERJ.
A partir do campo da Semântica, Retórica, Redação e Fonética, publicou vários
trabalhos acadêmicos, inclusive, os seguintes livros: Antes da espada do tempo
(poesias), Ensaios (lingüística e estilística) e Estudos universitários em
Semântica, além de ter presidido congressos, dirigido periódicos, participado de
bancas examinadoras e outras atividades no ensino superior, o que haveria de
culminar com a sua eleição para esta instituição.
Casa-se com Daniela Bonfim dos Anjos e por todos estes acontecimentos, conforme
seu depoimento, se considera feliz no amor e feliz na profissão.
DISCURSO DE POSSE
NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA
Afrânio da Silva Garcia
Ilustres colegas acadêmicos, prezados senhores e senhoras convidados
Em primeiro lugar, gostaria de falar do orgulho que me invade ao passar a
integrar uma instituição tão honorável e grandiosa como a Academia Brasileira de
Filologia. Grandiosidade que está presente em cada um dos seus membros,
exemplificada tanto por aqueles que alcançaram grande visibilidade, tornando-se
unanimemente conhecidos, quanto por aqueles que, apesar de não terem alcançado
tanta visibilidade, vêm realizando um trabalho portentoso em prol da cultura e
do saber do nosso país. Gostaria de reiterar, ao entrar para esta Casa, da qual
sempre me senti parte, desde o momento em que fui pela primeira vez a uma
reunião da Academia Brasileira de Filologia, convidado pelo colega e amigo José
Pereira da Silva, que todos os Acadêmicos contribuem (ou contribuíram)
decididamente para que esta seja uma instituição de excelência, devotada à
divulgação e perpetuação do saber e da cultura. Ao pensarmos no que impulsiona
essas pessoas a realizarem um trabalho tão magnífico, chegamos à conclusão de
que não é a mera vaidade, mas uma motivação bem maior do que essa, é o amor pela
língua e pelo próximo, é o desejo de compartilhar, é o entendimento de que o que
se faz realmente conta para a sociedade, é o altruísmo autêntico de que tanto
carecemos no mundo de hoje, marcado pelo egoísmo e pela vaidade.
Em segundo lugar, gostaria de falar da importância da Academia Brasileira de
Filologia. Na minha concepção, o papel da Academia Brasileira de Filologia é de
um grande professor, a ensinar as gerações mais jovens e ajudá-las a traçar o
caminho do conhecimento. Quantas pessoas são estrangeiras por não conhecerem,
por não se apropriarem da língua do seu país, da sua nacionalidade. Cabe à
Academia Brasileira de Filologia a egrégia função de aproximar estes jovens
brasileiros da sua maior riqueza cultural, sua língua, tornando-os mais capazes
de cumprir sua função como construtores e partícipes do futuro da nação. Quantos
dos meus alunos aqui presentes não se extasiaram com os ensinamentos de algum
membro da Academia Brasileira de Filologia, quiçá tornaram-se eles mesmos
professores ou pesquisadores impulsionados pelo exemplo destes grandes
professores e pesquisadores. Ao aproximar o saber acadêmico da vida prática, a
Academia Brasileira de Filologia tem propiciado a formação de uma infinidade de
novos pesquisadores, capazes de crítica e de reflexão sobre os problemas
filológicos e lingüísticos, possibilitando o aprofundamento, a manutenção e o
aperfeiçoamento tanto da ciência quanto da sociedade. A Bíblia nos ensina que
“conforme semeares, assim colherás”, e a Academia Brasileira de Filologia, ao
semear a cultura e o progresso, vem obtendo colheitas fartas e proveitosas, que
tanto engrandecem a sociedade e a nação.
Em terceiro lugar, gostaria de falar da qualidade da Academia Brasileira de
Filologia, da eminência de seus membros e da excelência do trabalho por ela
produzido. Como coordenador do curso de Especialização em Língua Portuguesa da
UERJ – São Gonçalo, tive o privilégio de contar com vários membros da Academia
Brasileira de Filologia como palestrantes e conferencistas nos congressos e
eventos que presidi ou com os quais colaborei, e posso afirmar que, tanto da
minha parte quanto do alunado, causou-nos assombro sua qualidade, pertinácia e
profundidade. Também no que concerne ao trabalho de pesquisa, pode-se afirmar
com convicção que boa parte da produção acadêmica e científica de alto nível na
área de Letras, Língua Portuguesa, Lingüística e, obviamente, Filologia tem o
dedo e a mente de um membro da Academia Brasileira de Filologia envolvidos.
Quanto à produção bibliográfica, então, é quase ocioso falar! Que seria dos
cursos de Letras e Língua Portuguesa sem os livros e artigos produzidos pelos
nossos acadêmicos? Quantos de nós não adquirimos grande parte do nosso
conhecimento lingüístico, quiçá literário, através de livros escritos ou
coordenados por membros da Academia Brasileira de Filologia? Somente com os
trabalhos publicados pelos acadêmicos presentes nesta solenidade, apenas nos
anos de 2007 e 2008, já teríamos como formar uma pequena e valiosa biblioteca. E
esse trabalho não fica apenas circunscrito à produção própria. Quantos
acadêmicos não se dedicam à crítica textual e a análise filológica de grandes
autores e documentos do passado, muitas vezes descerrando o véu que impedia o
grande público de ter acesso a trabalhos magníficos e propiciando aos demais
pesquisadores brasileiros e estrangeiros um material de qualidade e confiança
com que trabalhar. Além do mais, essas pesquisas são feitas com grande
abrangência, indo dos estudos clássicos à música popular brasileira, das raízes
africanas e indígenas da língua portuguesa à filologia germânica.
Em quarto lugar, gostaria de falar da erudição e sensatez que permeia a Academia
Brasileira de Filologia. Numa época em que os estudos da linguagem se tornaram
decididamente sectários e compartimentados, em que praticamente não se pode
mencionar uma pesquisa sem que alguém pergunte a que corrente (normalmente
agregada às idéias e ditames de algum pesquisador estrangeiro) ela está filiada;
em que poucos professores e pesquisadores têm uma visão global de seu campo
científico, circunscrevendo-se apenas à sua corrente e ao seu objeto de estudo
imediato e recusando, com maior ou menor ênfase, outras correntes ou objetos de
estudo, é admirável a pertinácia com que os membros da Academia Brasileira de
Filologia procuram manter uma visão totalizante do saber lingüístico,
enaltecendo ou criticando trabalhos acadêmicos das mais variadas tendências com
base exclusivamente no seu juízo de valor, e salvaguardando o saber erudito
diante do esfacelamento do saber imposto pelas tendências mais ou menos radicais
vigentes. Parodiando o patrono da cadeira na qual estou sendo empossado nesta
cerimônia, Rui Barbosa, quase se poderia dizer que “de tanto ver triunfarem os
adeptos do saber minimizado, setorizado, a gente chega quase a ter vergonha de
ser erudito”. Isso definitivamente não acontece com os ilustres colegas da
Academia Brasileira de Filologia, que em suas conferências e publicações
exteriorizam um equilíbrio em suas opiniões e uma amplitude temática em seus
conhecimentos que nos maravilham e servem de exemplo.
Por último, gostaria de falar do patrono e de meus antecessores na cadeira de
numero dezenove, que passarei a ocupar. Ter Rui Barbosa como patrono de sua
cadeira é uma grande responsabilidade. Poucos brasileiros podem equiparar-se à
grandeza de Rui Barbosa. Numa vida marcada por intensa atividade política e
intelectual, Rui Barbosa passou por inúmeras funções: foi advogado, jurista,
diplomata, jornalista, tradutor, escritor e político, chegando a ser indicado
por quatro vezes para concorrer ao cargo máximo da nação: a presidência da
República. Josué Montello resumiu a principal faceta de Rui Barbosa na seguinte
frase (Diário da Noite Iluminada, 1995, Ed. Nova Fronteira, 430): Se discordamos
de Ruy, temos com ele este ponto de encontro – a paixão da liberdade. Será esta
paixão pela liberdade que irá pautar sua vida: primeiro, na luta pela causa
abolicionista, a respeito da qual Rui Barbosa proferiu a seguinte frase: A
existência do elemento servil é a maior das abominações. (Rui Barbosa –
Coletânea Literária, p. 28); paralelamente, na luta pela liberdade religiosa,
até então cerceada, e pela separação entre Estado e Igreja, tornada efetiva por
decreto-lei de 1890 de inspiração do próprio Rui Barbosa; em seguida, como
advogado e jurista, na luta pelas liberdades civis e de opinião e pela
manutenção de um governo civil, inclusive requerendo inúmeros habeas-corpus de
graça em favor de presos políticos nos governos Floriano Peixoto (que lhe valeu
uma temporada no exílio) e Hermes da Fonseca; como senador (cargo que ocupou de
1890 a 1921), foi o grande responsável pela Constituição de 1891; como
diplomata, teve um desempenho tão brilhante na 2ª Conferência de Paz de Haia,
batendo-se pelo princípio da igualdade jurídica das nações soberanas e
enfrentando os preconceitos das grandes potências, que ganhou renome
internacional, passando a ser conhecido como A Águia de Haia. Além dessas lutas
libertárias, foi grande escritor, tradutor e jornalista, com uma bibliografia de
160 obras, entre as quais pontificam Modernas concepções do Direito
Internacional, Oração aos moços, a tradução dos poemas de Leopardi, Reforma Do
Ensino Primário, Reforma do Ensino Secundário e Superior e Parecer e Réplica
acerca da redação do Código Civil. Várias de suas máximas soam hoje como lugar
comum, tal sua popularidade; destaco duas:
1ª) De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de
tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos
dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter
vergonha de ser honesto.
2ª) Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado !
Além disso, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a
cadeira de nº 10, escolhendo como patrono Evaristo da Veiga.
O primeiro acadêmico a ocupar a cadeira nº 19 da Academia Brasileira de
Filologia foi José de Sá Nunes, grande professor e filólogo, cujo livro
Gramática e antologia – 3ª série (Livraria do Globo, 1936) chegou a ser
referência no ensino público, sendo incluído no Programa Oficial da Cadeira e
adotado em todo país: a ele sucedeu Luís Felipe Vieira Souto (1906-1964),
biógrafo, ensaísta, médico, membro do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, autor da célebre obra Reflexos duma pálida sombra no romantismo
brasileiro, sobre crítica literária; em seguida, veio Renato Mendonça, cujo
livro O português do Brasil: origens, evolução, tendências (Civilização
Brasileira, 1936) até hoje é um marco nos estudos diacrônicos; e por último,
ainda vivo e atuante, nosso colega do quadro especial Paulo Silva de Araújo,
ganhado do Prêmio de Oratória da Academia Brasileira de Letras, professor de
Retórica, Oratória, Português e Literatura por mais de quatro décadas, autor da
afamada obra Arte de falar bem em público: discursos, conferências, palanque
(Forense, 2003). Essa é a magnífica plêiade que me antecedeu e da qual farei
tudo para estar à altura.
Finalizando, devo agradecer à minha esposa, Daniela Bonfim dos Anjos, o amparo,
o estímulo e as discussões constantes, que tanto me ajudaram a alcançar este
privilégio, de ser membro da Academia Brasileira de Filologia. Para tanto, faço
minhas as palavras de Rui Barbosa, patrono da cadeira nº 19, e dedico este
momento à minha mulher, cuja simpatia corajosa e eficaz por todas as causas do
coração, da liberdade e da honra tem-me sido sempre inspiração e alento nas boas
ações de minha vida.
Afrânio da Silva Garcia
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